Gilmar Mendes:'A
criminalização da posse de drogas para consumo pessoal afeta o direito ao livre
desenvolvimento da personalidade'
Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo
|
O ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), declarou que a criminalização do porte de
drogas para uso pessoal é inconstitucional. Como relator do julgamento que vai
decidir sobre a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, Mendes foi o
primeiro dos 11 membros do tribunal a divulgar seu voto, na tarde desta
quinta-feira. Na sua visão, o porte de drogas para uso próprio no país não deve
mais ser considerado crime. Após o voto do relator, o ministro Luiz Edson
Fachin pediu vista do processo, suspendendo o julgamento.
'Assumi para evitar confusão',
diz réu no caso do STF que pode descriminalizar porte de drogas
- A criminalização da posse de
drogas para consumo pessoal afeta o direito ao livre desenvolvimento da
personalidade - afirmou Gilmar Mendes, antes de acrescentar: - A criminalização
da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional. (...) Restringe
desnecessariamente a garantia da intimidade, da vida privada e da
autodeterminação.
Após declarar seu voto, Mendes
defendeu que sejam afastadas consequêncas penais do porte para uso. E, no lugar
delas, sejam aplicadas medidas de natureza civil e administrativa.
Mendes explicou que não ignora
os malefícios do uso de drogas, mas, segundo ele, cabe avaliar se restrição
penal mostra-se necessária. Em sua opinião, a classificação do porte de drogas
para consumo pessoal como crime, conforme descrito na lei 11.343, de 2006,
levou a uma estigmatização do indivíduo. Além disso, ele afirmou ao longo de
seu voto que o artigo 28 da mesma lei não foi objetivo na distinção entre
usuário e traficante e, com isso, muitos consumidores de drogas vêm sendo
tratados como comerciantes de substâncias ilícitas.
- Na maioria dos casos, todos
acabam classificados simplesmente como traficantes - disse Mendes, que
recomendou a criação de critérios objetivos para distinguir usuários de
traficantes, afirmando que a medida é "bastante eficaz na condução de
políticas voltadas a tratamento diferenciado entre usuários e
traficantes".
O ministro citou experiências
internacionais nesse sentido, mas ponderou que há a necessidade de que sejam
estabelecidos padrões locais:
- Tendo em conta a disparidade
dos números observados em cada país, seguramente decorrente do respectivo
padrão de consumo, dos objetivos específicos, entre outras variantes, não se
pode tomar como referência o modelo adotado por este ou aquele país.
Recomenda-se, assim, especificamente no caso Brasil, ainda sem critérios
objetivos, regulamentação nesse sentido, precedida de estudos sobre as
peculiaridades locais.
De acordo com ele, tratar o
tema do consumo de drogas como saúde pública é pensar em "políticas de
redução e de prevenção de danos, e não de legalização pura e simples".
Segundo o ministro, ainda que
o usuário adquira drogas de um traficante, "não se pode imputar a ele os
malefícios coletivos decorrentes da atividade ilícita".
- Esses efeitos estão muito
afastados da conduta em si do usuário. A ligação é excessivamente remota para
atribuir a ela efeitos criminais. Logo, esse resultado está fora do âmbito de
imputação penal. A relevância criminal da posse para consumo pessoal dependeria,
assim, da validade da incriminação da autolesão. E a autolesão é criminalmente
irrelevante - afirmou.
O ministro também citou uma
pesquisa de 2009, segundo a qual o formato atual da lei penal deixa para os
policiais o trabalho de caracterizar uma pessoa flagrada com drogas como
usuário ou traficante. Ele criticou essa realidade. Em caso de dúvidas sobre a
classificação como usuário ou traficante, sugeriu que o flagrado seja
apresentado a um juiz de imediato.
A questão chegou ao STF por
meio do recurso extraordinário 635659, que diz respeito a um presidiário
flagrado com 3 gramas de maconha. A droga foi encontrada na cela que ele
ocupava em uma penitenciaria em São Paulo, em 2009. Cumprindo pena por assalto
a mão armada, receptação e contrabando, Francisco de Souza foi, então, como
usuário de drogas, condenado a prestar serviços comunitários. Mas a sua defesa
recorreu da setença até o caso chegar no Supremo.
Nesse recurso, o advogado de
defesa alega que ninguém pode ser punido por ser usuário de substâncias
ilícitas, já que esta seria uma questão de foro íntimo, e o direito à
privacidade é resguardado pela Constituição. Ou seja, o defensor alega que
chamar de criminoso um usuário de drogas é ferir a própria Constituição
Brasileira.
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Reflita, analise e comente