A capacidade de perceber um
amplo espectro de cores não é frequente entre os mamíferos, que em sua maioria
são daltônicos. Seres humanos e espécies de primatas mais aparentados com os
humanos se distinguem por possuir visão tricromática: normalmente, têm na
retina três tipos de cones, células fotorreceptoras responsáveis pela
sensibilidade às frequências primárias do vermelho, verde e azul que,
misturados, compõem a vasta gama cromática que enxergam. Já as espécies
dicromatas ou daltônicas, possuem apenas dois tipos de cones.
Com o objetivo de entender a
importância de fatores ecológicos para o desenvolvimento da percepção das
cores, pesquisadores do Laboratório de Ecologia Sensorial do Centro de
Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CB/UFRN) têm
realizado estudos, que investigam a relação entre o desenvolvimento do sistema
sensorial de percepção das cores e a necessidade de detecção de predadores, de
parceiros sexuais e de comida.
Uma das pesquisas mais
recentes, conduzida pelo professor Daniel Marques de Almeida Pessoa,
responsável pelo laboratório, foi a primeira a testar e a confirmar a hipótese
de predadores terem influência ecológica importante nesse sentido.
Em um primeiro experimento foi
quantificado o contraste entre a pelagem de sete predadores carnívoros e o
verde da vegetação. O modelo estatístico criado para prever como dicromatas e
tricromatas enxergariam essa variação mostrou que para os tricromatas o
contraste é bem maior, ou seja, que esses distinguem mais facilmente o
predador.
Um segundo experimento foi
realizado com humanos, daltônicos e de visão colorida. Ao serem apresentados
quatro quadros de paisagens, os voluntários deveriam identificar em qual deles
havia um animal escondido. A conclusão foi que os daltônicos levaram mais tempo
para ver o predador.
Para Daniel Pessoa, esse
estudo é o que melhor explica pelo qual o tricromatismo é tão disseminado entre
os primatas nativos da África e da Ásia. Esses, de maior porte, convivem com
predadores carnívoros há milênios e precisam identificá-los rapidamente para
melhor se proteger. Já os das Américas, divididos entre dicromatas e
tricromatas, são bem menores e podem se beneficiar do dicromatismo. “A maioria
dessas espécies se alimenta de insetos e é mais fácil localizar insetos
camuflados na vegetação quando não há a distração das cores”, explica o
pesquisador.
Visão de cores polimórfica
Embora em sua maioria sejam dicromatas, os
primatas das Américas podem simular a visão tricromática em algumas situações.
Uma pesquisa realizada com saguis por Fábio Batista Freitag e Daniel Pessoa
sugere que, em condições de luminosidade média, um bastonete – outro tipo
célula fotorreceptora – interage com os cones para agir como um terceiro canal
de cor e simular uma visão de cores parecida com os humanos. Essa visão de
cores é chamada polimórfica.
Ecologia sensorial
Investigar como os animais percebem o meio
ambiente e respondem a ele é o objetivo da ecologia sensorial, campo de estudo
relativamente novo que, aliado a estratégias de conservação, pode contribuir
para mitigar o impacto negativo da ação humana na natureza.
O laboratório conta com
infraestrutura para experimentação comportamental e psicofísica, modelagem
visual e espectrofotometria. Na opinião de Pessoa, um dos equipamentos mais
importantes é o espectrofotômetro, aparelho que pode medir a cor de qualquer
superfície. “Com ele, podemos medir a cor de um fruto, de uma folha, da pelagem
de um bicho, da parte da pele de um animal, do que quiser, na verdade”, avalia.
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