Vai começar. Você estudou anos
para isto. Preparou aquela aula. Leu e debateu autores que tratam do tema.
Porém, nada no planeta pode substituir a experiência de enfrentar uma turma
pela primeira vez.
Uso o verbo enfrentar porque é esta a sensação: dezenas de
olhos colocados sobre você. Um pouco mais de silêncio se for uma turma que não
se conhece ou… muito barulho se for uma turma que se reencontra depois das
férias. E, finalmente, cadernos e livros na mão, ei-lo entrando para o local
privilegiado da sua profissão: a sala de aula.
A faculdade antecipa pouco
essa experiência real. Onde eu enfio Piaget e Vigotsky quando vou fazer a
chamada? Dúvidas banais substituem os grandes temas da psicopedagogia: coloco
“P” ou “ponto” para a presença? E aqueles trabalhos imensos sobre a produção do
conhecimento numa sociedade dependente periférica capitalista? Agora só ocorrem
perguntas triviais e pouco nobres: é permitido rasurar o diário? Será que eu
posso autorizar a ida ao banheiro daquele aluno que está de pé desde que eu
entrei?
Na verdade, o banho realístico
veio antes da sua solene entrada na turma. Começou na sala dos professores.
Colegas deram conselhos práticos: “Não mostre os dentes no primeiro dia”. Para
quem não está acostumado a essa linguagem, significa não sorrir de imediato
para não perder o controle da sala. Os mais experientes soltaram risadinhas:
“Você vai ver aquela sétima B”! A advertência é quase uma praga ou, talvez, um
desejo velado de que você fracasse. Disseram-me há uns 30 anos: “Deus inventou
o conhecimento e o diabo, invejoso, criou o colega…”. Na época, muito jovem, eu
achava a frase amarga.
Aqui, um conselho prático:
antes de entrar em sala, ouça os colegas, desde os muito interessantes até os
indiferentes. Alguns querem ajudar. Outros não toleram sua juventude ou
entusiasmo. Ouça a todos. Porém, nunca se esqueça: a fala do colega diz
respeito, exclusivamente, à experiência dele e não à sua. O aluno-problema dele
talvez seja apenas dele e a turma fácil talvez não flua tão bem com você.
Ouça sempre. A experiência tem
valor, mas esteja atento a essa verdade pétrea que vale até para este livro:
bons conselhos podem ser úteis, mas seu caminho será construído exclusivamente
por você.
Passados quase 30 anos do
primeiro momento que dei aula na vida, o impacto de entrar numa nova sala, com
alunos novos, no primeiro dia de aula ainda me dá medo. Não é mais o medo de
antes. Comecei a dar aulas no ensino fundamental e médio antes de me formar. Eu
tinha pavor que meus alunos descobrissem que eu ainda não tinha diploma. Um
pouco mais tarde, aos 23 anos, comecei a dar aulas na universidade e me vestia
de forma a parecer mais velho. Eu tinha um dos medos mais ancestrais de um
professor: perder o controle de uma turma. Definitivamente, o medo de parecer
jovem demais desapareceu e foi quase substituído pelo receio oposto. Aqueles
medos sumiram. Mas o friozinho na barriga continua. Continua o incômodo de não
saber os nomes no começo. Estabelecer uma relação semanal com 30, 40, 50 jovens
pensando neles apenas como: o de vermelho, a menina de saia, o cabeludo (ou
coisas até um pouco pejorativas…). Pior: se eu tiver 10 turmas de 50 (número
comum), terei 500 seres humanos para saber o nome a cada ano, e ainda devo
considerar que novos entram como se fosse uma cistite permanente pingando no
meu diário.
Aqui, nossa função tem
vantagens sobre outras. Uma primeira aula ruim tem efeitos menos visíveis do
que uma primeira cirurgia ruim ou uma primeira ponte mal projetada. Porém, o
sutil da função de professor é que a primeira cirurgia ruim ou pontes ruins
podem ter relação com… aulas ruins. Quando pego um aluno em pleno doutorado que
ainda não domina regras básicas do uso da crase, penso: há uns 10 ou 15 anos um
professor errou e eu noto isso só agora.
Regressemos para a aula. Vamos
imaginar uma aula típica, de uns 40 a 50 minutos. Você entra e aquela dúvida
volta: devo ser simpático ou seco? Sorrir ou mostrar cara de autoridade séria?
Meu irmão psicólogo usa uma metáfora que aprecio: a relação profissional guarda
semelhanças com o salva-vidas. Se ele se aproxima muito do afogado e o abraça
fraternalmente, ambos afundam. Se ele fica muito distante, a vítima cumpre sua
sina de afogar-se sem ajuda. É inútil fingir uma dureza que você não tem ou que
nem quer ter. É perigoso usar de muita intimidade. A aula é um momento
profissional e você não é amigo dos alunos. Amizade implica isonomia,
igualdade, algo inexistente na sala de aula. Pelo mesmo motivo que você não é
amigo, você não é o inimigo, pois amizade e inimizade implicam relações
pessoais, frequentemente íntimas. Repita para si sempre: sou o professor
(porque, em muitas ocasiões, alunos, direção e pais tentarão convencê-lo de
outras coisas).
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Reflita, analise e comente