Homem abre covas no cemitério
Tarumã, em Manaus, após a morte de 56 detentos durante rebelião (Foto: UESLEI
MARCELINO / REUTERS)
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As facções criminosas viraram
um critério formal para a separação de detentos dentro das cadeias de todo o
país. Pelo menos 13 estados e o Distrito Federal fazem separação de presos por
grupo criminoso, segundo levantamento feito pelo GLOBO. Sete unidades da
federação negaram fazer esse tipo de distinção, duas não responderam alegando
motivo de segurança e outras quatro não retornaram o contato da reportagem.
Apresentado como única maneira
de garantir a vida dos detentos ligados a grupos criminosos, o método também
escancara o descontrole do sistema penitenciário por parte do Estado. Comando
Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC) são as organizações mais
numerosas. Alguns estados chegam a reservar presídios específicos para
determinadas facções, como ocorre no Rio. Em outros, há alas ou pavilhões
isolados. Se a informação sobre a organização criminosa a que o preso pertence
não é repassada assim que a vaga é solicitada, os servidores o questionam — num
protocolo adotado verbalmente e muitas vezes de forma velada pelos estados —
antes de incluí-lo no sistema.
“A separação de presos ocorre
por regime ou por autodeclaração de risco à integridade física do apenado”,
informa a Secretaria de Administração Penitenciária do Maranhão, que estima ter
cerca de 2.600 detentos envolvidos com facções criminosas, sem nomeá-las para
não as “promover”. O Rio Grande do Sul, que isola detentos de facções rivais
por alas, também adota o método: “Na identificação do apenado, ele manifesta
preferência por tal tipo de grupo”, informou a Superintendência dos Serviços Penitenciários
do estado, em nota.
No Distrito Federal, não há
unidades prisionais exclusivas de determinada facção. Mas a separação de
membros do PCC e do Comando Vermelho ocorre nos pavilhões de segurança máxima
das unidades, segundo Guilherme Nogueira, coordenador-geral da Superintendência
do Sistema Prisional:
— Ou o preso já vem carimbado
pela polícia com a informação do grupo criminoso, e aí nós separamos. Ou a
inteligência de cada unidade identifica integrantes na massa e os isolam.
Rivais podem até ficar na mesma ala de segurança, mas em celas separadas.
Já no Rio Grande do Norte, há
presídios voltados apenas para o Sindicato do Crime, mais numeroso que o PCC no
estado. Mas a unidade de Alcaçuz, a maior do país em extensão territorial,
convive com as duas facções, repartidas da seguinte forma: dois pavilhões para
cada grupo e um para presos neutros, dentro de uma lógica própria, explica
Wallber Virgolino, secretário de Justiça e Cidadania do estado:
— A gente divide as facções
dessa forma para deixá-los em pé de igualdade, porque eles se estudam, planejam
se destruir, mas não têm coragem porque estão em pé de igualdade. Eles só
atacam quando têm certeza que vão sair vitoriosos.
A divisão por facção, na
avaliação de Virgolino, não fortalece os grupos criminosos. Ele aponta o
protocolo como uma forma de evitar mortes diariamente nos presídios, inclusive
de pessoas sem associação com qualquer grupo. Para enfraquecer as organizações,
o secretário aponta o respeito rígido às normas do presídios, tais como evitar
a entrada de armas e drogas.
— Agora querem colocar
criminosos por prática criminosa. Se isso acontecer, vai haver a maior chacina
do mundo dentro dos presídios.
No Paraná, detentos ligados a
facções estão concentrados na Penitenciária Estadual de Piraquara, que fica na
região metropolitana de Curitiba. “O Paraná realizou a separação de presos
faccionados como uma medida preventiva para desarticular, dificultar ações de
organizações criminosas nos presídios e também preservar vidas”, informou ontem
o Depen (Departamento de Execução Penal).
Em São Paulo, que abriga cerca
de 35% da população prisional do país, 71 presos que pertencem às facções
criminosas Comando Vermelho (CV), Família do Norte (FDN) e Okaida (OKD) foram
transferidos entre outubro e sexta-feira passada para um presídio mantido em
sigilo pela Secretaria de Administração Penitenciária do estado. Os detentos
foram separados dos demais presos, filiados ao Primeiro Comando da Capital
(PCC), para evitar confrontos.
A separação de presos por
facção é criticada pelo coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário
nacional de Segurança Pública e ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo.
Segundo ele, a medida pode até diminuir o trabalho que os comandos das facções
têm para passar ordens aos seus seguidores.
— É como entregar o presídio
na mão da facção. Primeiro, você vai colocar um ladrão de carteira junto com um
ladrão de banco só porque os dois declararam que são do PCC. Isso já é um
problema. Além disso, você vai deixar o chefe da facção junto com todo o seu
bando, o que é perigoso. Ele vai ter toda uma boiada para comandar. Não vai nem
ter que fazer esforço para passar suas ordens — disse o coronel.
Na opinião de Silva Filho, o
ideal seria separar as lideranças dos grupos criminosos e colocá-las em regimes
duros, como o das penitenciárias federais ou o Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD), implementado em São Paulo. O coronel também defende que sejam separados
dos demais os detentos que cometeram crimes mais graves ou que têm perfil
violento, como os que já se envolveram em brigas ou mortes.
— Hoje o Judiciário vê regimes
como o RDD, em que o preso fica totalmente isolado, como uma punição ao preso.
Ele só fica alguns meses lá. Acho que esse regime deveria ser um modelo de
cumprimento de pena, como é em alguns países, como a Itália. As lideranças de
facções deveriam passar cinco, dez anos nesse regime. O crime não vai parar,
mas já é um golpe cortar a comunicação com os chefes — afirmou Silva Filho.
O defensor público Marlon
Barcellos, coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública
do Rio, relativiza a medida diante da situação carcerária atual, mas ressalta
os riscos da estratégia:
— Separar os presos por facção
faz diferença dependendo do objetivo. Se for para garantir a integridade dos
detentos, é uma atitude que atende perfeitamente à ideia de evitar conflitos
entre grupos. Mas se o objetivo for a segurança pública, é uma medida que
provoca reflexos fora das penitenciárias e faz uma diferença para o mal, porque
facilita justamente o recrutamento.
O diretor do Departamento
Penitenciário Nacional, Antônio Severo, afirmou ao GLOBO que o governo federal
não tem como avaliar a gestão dos estados, ressaltando que os administradores
separam por facções por “questão emergencial”.
O Globo
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