A decisão do presidente Michel
Temer de excluir da reforma da Previdência servidores estaduais e municipais
deixará de fora das mudanças, obedecendo a regras próprias e mais vantajosas,
um universo de cinco milhões de servidores estaduais e municipais que têm
regimes próprios no país, de acordo com Leonardo Rolim, especialista e
consultor da comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados. Entre os
servidores, estão professores dos ensinos médio e fundamental, policiais civis,
membros da Justiça comum e do Ministério Público Estadual (juízes,
procuradores), médicos, dentistas, técnicos e motoristas.
A exclusão dos servidores
estaduais e municipais vai na contramão das reformas realizadas em vários
países do mundo, que é a unificação de regras, explica Leonardo Rolim. Para
ele, a medida abre precedentes para outras categorias federais, que têm lobbies
poderosos atuando no Congresso, e fere o propósito inicial da Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) de convergir as normas previdenciárias para todos
os trabalhadores.
Por que a reforma é
necessária?
A Previdência registra rombo
crescente: gastos saltaram de 0,3% do PIB, em 1997, para projetados 2,7%, em
2017. Em 2016, o déficit do INSS chega aos R$ 149,2 bilhões (2,3% do PIB) e em
2017, está estimado em R$ 181,2 bilhões. Os brasileiros estão vivendo mais, a
população tende a ter mais idosos, e os jovens, que sustentam o regime, diminuirão.
Uma professora da rede
privada, por exemplo, vai ter que se aposentar com no mínimo 65 anos de idade,
e a da rede pública não; um motorista concursado da prefeitura poderá se
aposentar mais cedo, enquanto o motorista de uma empresa privada terá que trabalhar
mais tempo, explicou Rolim. Policiais militares e bombeiros já haviam sido
excluídos da reforma antes mesmo do envio da PEC ao Congresso.
— A decisão do governo federal
cria privilégios para pouco mais de cinco milhões de servidores e torna as
regras ainda mais díspares. Os governadores podem alterar? Podem. Mas quando?
Não há nenhuma garantia — defendeu Rolim.
Segundo ele, os funcionários
da União representam apenas 13% do total de servidores públicos do país que têm
regimes próprios. Cerca de 2.060 municípios e todas as capitais do país criaram
seus próprios regimes, ou seja, regras próprias para tempo de contribuição, valor
do benefício e condições gerais de aposentadoria. Nos demais municípios, os
servidores estão submetidos às normas do INSS, que serão alteradas. Portanto,
com a decisão, o governo Temer, na prática, vai institucionalizar duas
categorias de servidores Brasil afora.
Rolim lembrou que a decisão
abre brecha para que os membros da Justiça federal e do Ministério Público
Federal requeiram o mesmo tratamento das categorias nos níveis estadual e
municipal. Eles já apresentaram uma emenda, acatada pelo deputado Lincoln
Portela (PRB-MG), para que toda a classe ficasse de fora da reforma. O
argumento foi o mesmo usado por Temer: independência e autonomia dos entes
federativos.
O recuo também prejudica outro
ponto da PEC, o que obriga estados e municípios a criarem fundos de previdência
complementar num prazo de dois anos. A medida limita os novos benefícios ao
teto do INSS, atualmente, em torno de R$ 5.600. Com a exclusão dos servidores
estaduais e municipais da reforma, não se sabe se este item ficará no texto do
relator da PEC, deputado Arthur Maia (PPS-BA).
Para o especialista em contas
públicas Raul Velloso, o discurso do presidente Michel Temer, de que ao deixar
de fora da reforma da Previdência os servidores estaduais e municipais está
fortalecendo a autonomia dos entes federativos, é "furado". Segundo
ele, essa autonomia não existe. Ao contrário, destacou, há uma interdependência
da União, quem dá aval a empréstimos, faz transferências e bloqueia repasses.
— Isso pode ser demonstrado no
momento em que a União negocia as dívidas dos estados e exige contrapartidas —
disse Velloso, que lamentou a decisão:
— Muito estranho o governo
fazer isso, principalmente num momento de dificuldades financeiras dos estados.
Ele destacou que a União sai
perdendo ao fazer o ajuste sozinha porque depende da ajuda dos estados no
resultado primário. Quebrados, eles deixam de pagar as parcelas dos
empréstimos.
PRESSÃO DE CATEGORIAS
Com a crise nos estados, os
governadores queriam ser incluídos na reforma da Previdência, desde o início da
elaboração da proposta. Isso significava que a União, ao alterar as regras para
seus funcionários, mudaria automaticamente as normas para todos os servidores
estaduais e municipais. Diante da pressão de policiais militares e bombeiros -
que estão fora da Constituição, têm leis estaduais específicas -, o presidente
Michel Temer deixou a categoria de fora do texto enviado inicialmente ao
Legislativo. E, agora, resolveu tirar da reforma todos os demais servidores
estaduais e municipais, pressionado por sua base aliada.
Às vésperas das eleições de
2018, os parlamentares estavam enfrentando forte pressão nas suas bases e
temiam não ser reeleitos. Eles argumentaram com o presidente que esse ônus
deveria ficar com os deputados estaduais, a quem caberia aprovar as mudanças.
Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a decisão do
presidente retira pressão sobre os parlamentares e não afeta as contas do
regime de previdência da União.
- A capacidade de mobilização
está nos estados. Estava havendo todo tipo de pressão e que não têm relação com
o déficit federal - disse Maia ao Globo.
O Globo
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