A Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (26) o relatório do senador
Roberto Requião (PMDB-PR) sobre o polêmico projeto que endurece as punições
para autoridades que cometem abuso.
Os parlamentares da comissão
também aprovaram regime de urgência para que o texto seja incluído na pauta de
votações do plenário do Senado. Se for aprovado pelo Senado, terá ainda de ser
analisado pela Câmara dos Deputados.
A aprovação do relatório por
unanimidade só foi possível após um recuo de Requião em um dos pontos mais criticados
por entidades de juízes e procuradores.
O trecho mais criticado por
essas entidades era o que tratava da divergência na interpretação de leis e na
avaliação de fatos e provas.
“A divergência na
interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente
razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade”, dizia
a proposta de Requião.
Para o presidente da
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, se esse
trecho entrasse em vigor, o juiz ficaria com “medo de proferir decisões”.
O problema, segundo Veloso,
residia na expressão “necessariamente razoável”.
Vários senadores argumentaram
que o texto poderia “criminalizar” a interpretação de fatos e leis e criticaram
a proposta.
Com isso, Requião decidiu
aceitar uma sugestão de alteração e retirou a expressão “necessariamente
razoável” do texto.
Há várias semanas o
dispositivo era criticado, mas Requião insistia em mantê-lo no texto
argumentando que retirá-lo daria liberdades totais a magistrados e juízes. Mas,
diante de uma possível derrota do projeto, resolveu ceder.
“Eu manteria essa redação, mas
o projeto não é o projeto do senador Roberto Requião. Neste momento, é o
projeto da CCJ”, declarou o relator ao anunciar que retirava o dispositivo.
Outras mudanças
Requião também modificou em
seu texto, outro ponto que era bastante criticado por procuradores. Trata-se do
artigo que fala sobre o início de um processo investigatório.
O trecho previa detenção para
a autoridade que desse início à persecução penal, civil, ou administrativa “com
abuso”.
No novo relatório, Requião
trocou a expressão “com abuso” por “sem justa causa fundamentada”. A punição
prevista nesse caso é de detenção de um a quatro anos. Mesmo com a mudança, o
ponto continua a ser questionado por investigadores.
O relator também mudou outro
trecho que era criticado por representantes do Ministério Público. O
dispositivo permitiria a investigados processar privadamente as autoridades que
os investigam.
Requião aceitou uma sugestão
de alteração do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) que diz que “será
admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal,
cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia
substitutiva”.
A alteração proposta por
Valadares e aceita por Requião contempla as reivindicações do Ministério
Público com reação a processos de autoridades por parte de investigados.
Discussão
Durante o debate sobre a
proposta, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), investigado pela Operação Lava
Jato, criticou o trecho do relatório sobre divergências na análise de leis
retirado por Requião.
O tucano disse que a medida
poderia criminalizar a interpretação de leis, o que, na avaliação dele, era um
“retrocesso”.
Humberto Costa (PT-PE), também
investigado na Lava Jato, defendeu o relatório “corajoso” de Requião.
“Hoje há um maniqueísmo.
Qualquer coisa ou é a favor ou é contra a Lava Jato [...]. Mas nós estamos
aprofundando, estamos pensando nas pessoas mais pobres da sociedade que são
vítimas de abuso”, declarou.
Na mesma linha, Jorge Viana
(PT-AC) disse que a legislação em vigor sobre abuso de autoridade é de 1965,
“da época da ditadura”. “Quem é contra o projeto é a favor do abuso de autoridade?
”, questionou.
O que prevê o projeto
O projeto revoga a legislação
em vigor, aumenta o número de casos e impõe punições mais rigorosas para
autoridades que cometem abuso.
Estão sujeitos às punições
previstas no projeto servidores públicos e militares, membros do Poder
Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e dos tribunais ou conselhos de
conta.
O projeto prevê também, como
forma de punição, a inabilitação para o exercício de cargo por período de até
cinco anos, variando com relação à condenação. Além disso, propõe a perda do
cargo, do mandato ou da função pública em caso de reincidência.
Entre outros pontos, o projeto
prevê punição para as seguintes práticas:
- Divulgar gravação sem relação com a prova que se pretendia produzir, “expondo a intimidade ou a vida privada, ou ferindo a honra e a intimidade” do acusado ou do investigado no processo. Punição: de 1 a 4 anos de detenção e pagamento de multa;
- Realizar interceptações ou escutas sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão de 2 a 4 anos e multa;
- Punição para a autoridade que estende a investigação sem justificativa e em “prejuízo do investigado”. Detenção de 6 meses a 2 anos de multa;
- Pena de 1 a 4 anos de detenção, além do pagamento de multa, para delegados estaduais e federais, promotores, juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que ordenarem ou executarem "captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária";
- A proposta estabelece ainda pena de detenção de 1 a 4 anos para a autoridade policial que constranger o preso, com violência ou ameaças, para que ele produza provas contra si mesmo ou contra terceiros;
- Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar filme ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima sem consentimento, com o objetivo de expor a pessoa a vexame ou à execração pública (pena de detenção de seis meses a 2 anos, além de multa);
- Invadir, entrar ou permanecer em casas de suspeitos sem a devida autorização judicial e fora das condições estabelecidas em lei (pena de detenção de 1 a 4 anos);
- Não fornecer cópias das investigações à defesa do investigado (pena de detenção 6 meses a 2 anos).
G1
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