A ministra do STF Rosa Weber
durante o julgamento do 'habeas corpus de Lula (Foto: Antônio
Araújo/Trilux/Estadão Conteúdo)
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Uma Rosa é uma Rosa é uma
Rosa. Caberá a ela novamente, à ministra Rosa Weber, o voto decisivo na
possível revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito
do momento em que penas devem começar a ser cumpridas. Revisão que pode tirar
da cadeia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e milhares de outros
condenados.
O ministro Marco Aurélio Mello
pretende levar para apreciação do plenário, na sessão da próxima quarta-feira,
uma liminar a respeito das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43
e 44, respectivamente do Partido Ecológico Nacional (PEN/Patriota) e da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB). Em síntese, elas pedem que o STF diga se é
constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, que afirma:
– Ninguém poderá ser preso
senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em
julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária
ou prisão preventiva.
A questão já foi julgada em
caráter provisório em outubro de 2016. Na ocasião, com base no entendimento em
vigor na Corte desde fevereiro daquele ano, que permitia as prisões a partir da
decisão de um tribunal de segunda instância, o plenário considerou o pedido
descabido. Entre os votos vencidos estavam Rosa e o relator, Marco Aurélio.
Diante da negativa do habeas
corpus a Lula na semana passada, os advogados do PEN/Patriota entraram com novo
pedido de liminar. Marco Aurélio diz que não pode engavetá-lo e o levará ao
plenário “em mesa”, jargão para definir as votações que não constam da pauta.
A presidente Cármen Lúcia
previu para quarta-feira a votação dos habeas corpus das defesas dos condenados
Antônio Palocci e Paulo Maluf, que têm preferência na ordem de votação. Depois,
talvez na própria quarta, talvez já na sessão de quinta, o STF deverá voltar a
examinar o cumprimento das penas.
Desta vez, não sob a ótica de
um caso individual como fez diversas vezes desde 1991, mas de modo geral.
Julgamentos de ADCs têm repercussão geral imediata. Isso significa que, se
mudar o entendimento da Corte sobre o tema, todo réu preso em virtude de uma
condenação em segunda instância poderá recorrer dela em liberdade. Incluindo o
mais célebre deles, Lula.
A posição dos ministros a
respeito da questão é conhecida e se repete cada vez que ela retorna, na forma
de habeas corpus, de votações nas duas turmas do STF ou no plenário.
Defendem uma leitura rigorosa
do princípio da presunção de inocência, estabelecido no inciso 57 do artigo 5º
da Constituição, os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Celso de
Mello. Para eles, ninguém pode ser preso até que esteja esgotado o último
recurso judicial à última instância disponível, situação conhecida no jargão
jurídico como “trânsito em julgado”.
Uma leitura intermediária é
defendida pelo ministro Dias Toffoli e, há pouco mais de um ano, também pelo
ministro Gilmar Mendes. Para ambos, o momento de começar a executar as penas
deveria ser não o julgamento na segunda instância, mas o dos recursos especiais
à terceira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
São favoráveis ao entendimento
atual, que permite – embora não obrigue – o cumprimento das penas depois da
segunda instância, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux,
Cármen Lúcia e, ficou claro no voto apresentado durante o julgamento do habeas
corpus de Lula, também Alexandre de Moraes.
E Rosa? Seu voto era
conhecido, mas se tornou uma incógnita. Como no verso de Gertrude Stein, há
três cenários possíveis dependendo dela. O primeiro é o plenário se recusar a
examinar a questão, já que o entendimento atual vigora há apenas dois anos – e
foi o entendimento corrente na corte entre 1988 e 2009. O voto dela seria
decisivo para isso.
O segundo cenário é Rosa
manter seu voto de 2016, contra o cumprimento das penas depois da decisão da
segunda instância. Para Marco Aurélio, ela deu a entender na semana passada que
faria isso caso as ADCs viessem a ser analisadas pelo plenário.
O terceiro cenário é ela mudar
seu voto. Desde 2016, quando voltou a vigorar a interpretação tradicional que
permite as prisões depois da segunda instância, Rosa negou 58 dos 59 habeas
corpus que julgou, individualmente, na Primeira Turma do Tribunal ou no plenário.
Faz isso em nome do que chama
de “princípio da colegialidade”. Em seu voto da semana passada, ela o definiu
da seguinte forma: “Por funcionar como um colegiado, em um tribunal, a
justificação da decisão judicial não se detêm no raciocínio jurídico de um
único juiz (…). As vozes individuais vão cedendo em favor de uma voz
institucional, objetiva, desvinculada das interpretações jurídicas colocadas na
mesa para deliberação”.
Mas ela também lembrou que age
assim apesar de ter sido voto vencido. E disse que a questão deveria ser
reavaliada pelo tribunal: “O tema de fundo, para quem pensa como eu, há de ser
sim revisitado no exercício do controle abstrato de constitucionalidade, vale
dizer, nas ADCs da relatoria do ministro Marco Aurélio”.
Não houve no voto de Rosa,
contudo, uma declaração explícita de que manteria a mesma posição de 2016, como
Marco Aurélio dá a entender. Ao contrário, ela fez questão de precedê-lo de um
extenso embasamento teórico, cujos princípios poderiam ser usados para ela
rever sua posição.
Primeiro, afirmou ser sensível
à apreciação de argumentações divergentes: “Diante do confronto de duas teses
relevantes e consistentes submetidas ao exame do colegiado, não deixo de
reconhecer a qualquer delas, mesmo àquela que não conta com a minha adesão, a
plausibilidade do direito alegado”.
Segundo, demonstrou-se
contrária ao vaivém jurídico e à mudança frequente de entendimentos da Corte
para satisfazer a demandas individuais: “A imprevisibilidade, segundo entendo,
por si só qualifica-se como elemento capaz de degenerar o direito em arbítrio
(…). Compreendido o Tribunal como instituição, a simples mudança de composição
não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência,
como tampouco o são, acresço, razões de natureza pragmática ou conjuntural”.
Terceiro, manifestou
flexibilidade em relação aos precedentes. Isso poderia ser interpretado como
uma justificativa para a Corte rever o princípio vigente em relação às prisões.
Mas também pode ser visto como pretexto para ela mudar seu voto, caso viesse a
reexaminar a questão.
“É equívoco apreender o regime
de precedentes de modo a lhe emprestar rigidez e mecanicidade”, escreveu. “A
lógica cartesiana e o pensamento dedutivo são procedimentos estranhos ao
funcionamento desse sistema, cuja evolução e aperfeiçoamento se deram,
historicamente, de forma orgânica e indutiva. O precedente não se impõe como
estatuto, como lei.”
Foi além, ao insistir que
mesmo decisões estabelecidas precisam ser revistas à luz de novos fatos.
“Pertinente é o reconhecimento de que a regra do stare decisis ("fica
decidido") é particularmente flexível quando se trata de casos que
envolvem a aplicação de preceitos da Constituição”, disse. “Sem deixar de
apresentar consistência, o sistema deve reter flexibilidade suficiente para o
seu desenvolvimento, ao acomodar espaço para mudança e evolução.”
Não há, ao contrário do que
sugere Marco Aurélio, garantia de que, caso o plenario examine a questão nesta
semana, o voto de Rosa seja igual ao de dois anos atrás. Como na última
quarta-feira, trata-se de uma incógnita. Uma Rosa ainda é uma Rosa ainda é uma
Rosa.
G1
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