Debaixo das atenções femininas
e com a expectativa de polêmicas fervorosas, o aborto volta a ser debatido no
Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã (3), ainda sob o comando da segunda
presidente mulher da Corte, Cármen Lúcia. O tema será relatado por Rosa Weber
que decidiu ouvir especialistas antes de emitir um parecer.
O STF tem nas mãos uma ação
encaminhada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em março de 2017,
pedindo que a interrupção da gravidez feita por decisão da mulher nas 12
primeiras semanas não seja mais considerada um crime. Mais de 40 pessoas
ligadas às áreas de saúde, ciências, direitos humanos e religião foram
escolhidas para participar dos debates.
A primeira audiência pública
está marcada para esta sexta-feira (3) e deve contar com mais de 20
especialistas. Cada um terá 20 minutos para apresentar argumentos e
posicionamentos sobre o tema. Uma nova rodada está marcada para 6 de agosto.
Depois dessas audiências, a
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que já antecipou que não se
manifestará antes do fim do processo, terá que emitir um parecer. Pela rotina
do STF, a manifestação da PGR costuma ser apresentada em até dez dias, mas não
há um prazo pré-definido. Apenas com esse relatório em mãos, Rosa Weber
concluirá seu posicionamento sobre o tema e submeterá a decisão ao plenário do
STF – onde os 11 ministros deverão apresentar seu voto.
Como se trata de uma questão
complexa, assessores da Corte acreditam que dificilmente a atual presidente do
Supremo tenha tempo hábil para colocar em pauta. A partir de setembro, Dias
Toffoli passa a comandar o tribunal.
Em cada turno dos dois dias de
debate estão garantidas falas contrárias e favoráveis à descriminalização.
Favorável
Responsável pela ação que, em
2012, garantiu o direito legal ao aborto nos casos de anencefalia, a professora
da Universidade de Brasília (UnB) Débora Diniz diz que a descriminalização
retira a punição que recai sobre a mulher.
Segundo ela, descriminalizar
significa retirar a investigação, o estigma e a perseguição contra vítimas, em
geral, mulheres mais jovens, pobres, negras, de áreas rurais, com menor acesso
à informação e com menor poder aquisitivo para acessar clínicas e medicamentos
seguros.
“A criminalização é um marco
de desproteção às mulheres mais vulneráveis e mais desfavorecidas do país.
Estamos falando de meninas violentadas que engravidam de maneira involuntária,
de mulheres sem acesso à informação ou que fazem mau uso de métodos de planejamento
familiar, ou de mulheres muito jovens que já têm filhos e se encontram em
situação que não podem mais ter filhos”, alertou a pesquisadora.
“A minha pergunta é: como
olhar para estas mulheres desfavorecidas, frágeis e em situação de violência e
colocar a polícia atrás delas por uma decisão de vida? Devo ou não viver em um
Estado que prenda as mulheres – mulheres comuns, uma em cada cinco, ou uma
jovem que sofreu violência em casa? Se ela diz que não pode manter a gestação,
ainda pego e coloco ela dentro de uma prisão por 3 ou 4 anos?”, completou.
A pesquisadora ressaltou ainda
que esta decisão não obriga mulheres contrárias à prática do aborto, mas
garante às outras a liberdade de se submeter a esse procedimento de uma forma
segura e livre.
De acordo com a especialista,
uma em cada cinco mulheres brasileiras de 40 anos de idade já fez pelo menos um
aborto. Ainda segundo ela, em 2015, foram mais de 500 mil mulheres brasileiras
se submetendo a esse procedimento. “A questão é constitucional e importante para
a democracia. Esta é parte de uma dívida democrática com as mulheres”,
analisou.
Outro lado
Para a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), entretanto, o tema deveria ser discutido no
Legislativo. Na opinião da entidade, o assunto contaria com uma participação
popular mais expressiva se fosse discutido no Congresso Nacional.
Para dom Ricardo Hoepers,
bispo de Rio Grande (RS), a discussão restrita ao Supremo é “um transtorno
democrático porque impede um aprofundamento do debate e a participação efetiva
da população”.
Mestre e doutor em Bioética e
Teologia Moral na Academia Alfonsiana, em Roma, Hoepers defende que o debate
sobre o aborto é uma questão social e não apenas religiosa. Ele destaca ainda
que a CNBB é uma instituição que faz parte da história democrática do país e,
por isso, deve ter espaço para defender sua posição. Segundo o bispo, seu papel
será o de ressaltar a reflexão em defesa da vida.
“Entendemos, baseado na
proposta científica, que a vida começa na concepção. Este pedido é desproporcional.
Temos que defender a vida da mulher, mas não podemos suprimir a vida da
criança. Não se resolve um mal com outro mal”, defendeu.
Dom Hoerpers reconhece o drama
de milhares de mulheres que tentam o aborto de forma ilegal e que acabam
morrendo durante o procedimento. Segundo ele, esse problema poderia ser sanado
com políticas públicas integrais de proteção à maternidade e cuidado com a vida
reprodutiva feminina.
“Seria melhor ter políticas
públicas de proteção em vez de defender a descriminalização. Temos experiências
de casas de acolhida que têm resultados positivos e menos traumáticos para
essas mulheres. Achamos estranho levantar o aborto como conquista quando, na
verdade, é um drama”, lamentou.
Agência Brasil
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