No Rio Grande do Norte, o
número de médicos para cada 1 mil habitantes ainda é inferior à média nacional.
Segundo dados da plataforma Demografia Médica, administrada pelo Conselho
Federal de Medicina (CFM) e referentes a fevereiro deste ano, a média do estado
é de 2, 14, enquanto no país esse número salta para 2,56. No comparativo a
outros estados do Nordeste, a proporção do estado ocupa a 5º posição entre os
maiores e soma 6.813 profissionais registrados. A nível nacional, são 546 mil
médicos ativos, número considerado alto por entidades médicas e usado como
argumento para criticar o edital lançado neste mês pelo Governo Federal com
previsão de abertura de novos cursos de medicina no País e no RN.
O edital em questão alinha-se à proposta do Mais Médicos e prevê diretrizes
para a abertura de novos cursos de medicina em municípios de 116 regiões de
saúde do Brasil. No Rio Grande do Norte, em especial, duas regiões foram
selecionadas e a previsão é de abertura de dois novos cursos, com possibilidade
de 120 novas vagas. Entre as cidades pré-selecionadas, estão Acari, Lagoa Nova,
Pau dos Ferros e Riacho da Cruz. As escolhas das regiões partiram de quatro
critérios principais, incluindo apresentar média inferior a 2,5 médicos/1.000
habitantes e possuir hospital com pelo menos 80 leitos. Com a proposta de
abertura de novos cursos de medicina pelo Governo Federal, a ideia é que essas
localidades tenham mais médicos atuando para atender a população.
Entidades médicas, no entanto, criticam a proposta e argumentam que a oferta de
vagas precisa somar qualidade na formação dos estudantes. Para a Federação dos
Municípios do Estado (Femurn), por sua vez, a medida pode favorecer a
interiorização dos médicos no Rio Grande do Norte. Das regiões de saúde do Rio
Grande do Norte, duas apresentam média inferior a 2, 5 médicos para cada 1.000
habitantes: a 4ª, que contempla o Seridó potiguar, e a 6ª com com cidades do
Alto Oeste, segundo dados do Ministério da Educação. Ao todo, as regiões
abrigam 62 municípios, dos quais 54 apresentam necessidade significativa de
aumentar a quantidade de médicos em relação à realidade nacional.
Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremern), o
médico Marcos Jácome, embora não seja contra a abertura de novos cursos de
medicina, a entidade defende que ela não pode ocorrer sem pensar na formação
completa dos profissionais. Somado a esse problema, o diretor do Cremern afirma
que historicamente o país nunca conseguiu resolver o problema ‘crônico’ da
falta de distribuição equitativa de médicos pelo país e a proposta atual não
tem potencial para alcançar esse objetivo.
Na visão dele, o país já apresenta um alto número de médicos, mas é preciso que
se tenham incentivos em termos de infraestrutura e educação para que estudantes
e profissionais permaneçam em localidades mais afastadas. Segundo dados do
Demografia Médica, são 545.7677 médicos ativos. “O que chama atenção para os
conselhos estaduais e para o Conselho Federal de Medicina é que essa estratégia
foca apenas em aumentar a quantidade e nada da qualidade. É preciso aprender
tanto teoria quanto prática para que o profissional consiga atender bem a
população”, defende o diretor do Cremern.
Uma avaliação semelhante é repercutida pelo presidente da Associação Médica do
Rio Grande do Norte (AMRN), o médico Itamar Ribeiro de Oliveira, para quem a
abertura ‘desenfreada’ de novos cursos em todo o país não vai resolver a
necessidade de interiorização dos profissionais. Segundo ele, no lugar de
promover novas vagas, a prioridade deveria ser a estruturação da rede de saúde
e o planejamento de carreira de estado dos médicos. “Se monta um mercado imenso
achando que será possível resolver o problema do país, mas é preciso uma
ordenação”, defende.
Infraestrutura de saúde
Ainda que o país tenha atualmente quase 390 escolas médicas, afirma o diretor
do Cremern, boa parte delas são privadas e não apresentam a estrutura
necessária para promover o ensino integral dos alunos. O Ministério da
Educação, por sua vez, assegura que o novo edital pretende estimular, além da
desconcentração de médicos, a redução de impactos que a abertura de novos
cursos pode ocasionar na infraestrutura de saúde preexistente nas cidades.
O Ministério afirma, ainda, que a seleção prevê a pontuação das propostas que
cumprirem o exigido no Plano de Contrapartida à estrutura de serviços, ações e
programas de saúde do SUS do município e/ou da região de saúde do curso de
Medicina e no Plano de Implantação de Residência Médica. No plano de
contrapartida ao SUS, devem estar previstos os investimentos que serão
realizados nos equipamentos e programas de saúde da cidade. O objetivo é
melhorar o processo de ensino-aprendizagem, a prática no SUS e a qualidade da
assistência à população.
Mas, para além do previsto no edital, Marcos Jácome chama atenção para a
necessidade de maior presença de hospitais-escola no Rio Grande do Norte e
associação das instituições com esses espaços. Ele cita, por exemplo, a
qualidade dos cursos de medicina ofertados pela UFRN e Uern por apresentarem
maior contato com hospitais compostos por profissionais docentes. “No Hospital
Universitário Onofre Lopes existem professores em quantidade e níveis de
formação positivos para que eles produzam nos estudantes uma boa capacidade de
exercer a medicina. Já as privadas realizam convênios, mas eles não são
correlacionados com uma tutela docente mais específica”, complementa.
Entre as cidades da 4º região pré-habilitadas pelo Governo Federal, o
presidente do Cremern avalia que dois deles apresentam uma boa infraestrutura
em termos de ensino da medicina: Caicó, por meio da Escola Multicampi de
Ciências Médica (EMCM) e Currais Novos, que conta com um hospital regional do
Estado. No caso do primeiro, ainda que não se tenha um hospital universitário
próprio, há a presença de parcerias com hospitais próximos e perspectiva de
melhora gradual. Em relação ao segundo, destaca a presença de residência médica
para cirurgia. Por último, afirma desconhecer a existência de outros municípios
com estrutura equivalente a um hospital -escola.
Na avaliação de Itamar Ribeiro de Oliveira, dificilmente boa parte das cidades
pré-habilitadas poderão abarcar novos profissionais da área médica e alcançar
parcerias direcionadas à formação prática dos estudantes. “Eu acho muito difícil
isso acontecer. Como você vai pegar uma cidade de 30 ou 40 mil habitantes, uma
cidade pobre, e colocar uma universidade? Onde [os estudantes] vão aprender?”,
argumenta. Aliado a isso, adverte que apenas convênios não podem resolver o
problema e ressalta a necessidade de uma carreira médica no Estado.
Questionada pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE sobre uma possível projeção
para abertura de novos hospitais escolas no Rio Grande do Norte, a Rede Ebserh
informou estar recebendo solicitações de adesão de hospitais em diversos locais
do país e que todos os pleitos estão sendo avaliados.
“Quando o presidente da Ebserh Arthur Chioro esteve no Hospital Universitário
Ana Bezerra, ele foi abordado por um grupo de acadêmicos de Medicina pedindo
para que a gestão se sensibilize com a causa e abra mais hospitais
universitários no estado, como no município de Caicó, que conta com curso de
Medicina, mas não tem hospital para a prática médica. Hoje, esses estudantes
precisam se deslocar para unidades, como o HUAB, a MEJC e o Huol. Todos os
pleitos vem sendo analisados pela Ebserh e MEC, sobre a pertinência e
viabilidade financeira”, disse a Rede Ebserh.
Femurn diz que edital é positivo
Se, por um lado, entidades
médicas enxergam a iniciativa do Governo Federal com desconfiança, por outro, a
Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn) avalia que o projeto
tem potencial para promover a interiorização dos médicos no Estado. O
presidente da entidade, Luciano Santos, também prefeito de Lagoa Nova, esclarece
que as cidades do interior enfrentam muitos desafios para promover a
permanência desses profissionais.
Em Lagoa Nova, por exemplo, ele esclarece que neste ano já foram lançados dois
editais de chamada de contratação de médicos por meio de processos seletivos. O
problema é que mesmo assumindo os cargos na cidade, eles não demoram a sair
quando surgem oportunidades mais próximas ou na capital. “O município de Lagoa
Nova, assim como outros do interior, tem dificuldades para contratar médicos
por conta da distância da cidade com os grandes centros. Isso realmente
dificulta o acesso dos médicos a essas cidades”, complementa.
Por conta disso, afirma, a prefeitura recebeu a notícia do edital com
positividade e algumas reuniões já vêm sendo realizadas com as demais cidades
da 4º região de saúde para tratar da proposta do Governo Federal. Para a
Femurn, mais precisamente, ele também confirma uma avaliação favorável e uma
expectativa de continuidade do edital. “Nós enxergamos como um avanço e
esperamos que os anseios dos municípios sejam atendidos com esse novo formato
pela escassez desses profissionais e pela dificuldade para manter os médicos no
quadro do municípios”, destaca.
Tribuna do Norte
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