Em 2024, o RN rompeu de forma abrupta a série histórica de
redução de mortes no trânsito dos últimos seis anos. Foram contabilizados 546
óbitos, representando um crescimento de 17,67% em relação a 2023, quando o
total foi de 464. Antes disso, apenas em 2021 o Estado tinha registrado
aumento, correspondente a 1,56%. A taxa de incidência para 100 mil habitantes,
com 15,84 casos, também superou a nacional de 12,18.
De acordo com o Departamento Estadual de Trânsito
(Detran/RN) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), os casos vêm sendo puxados
pelas ocorrências com motociclistas e fatores humanos. Já o professor e
psicólogo Fábio de Cristo, da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi
(Facisa/UFRN), chama a atenção para múltiplos fatores que vão além do
comportamento do condutor.
Os dados são do Sistema Nacional de Informações de Segurança
Pública (Sinesp). De acordo com o levantamento, o Rio Grande do Norte ocupa a
terceira posição entre os estados do Nordeste com o maior aumento de mortes no
trânsito em 2024, ficando atrás somente de Pernambuco (23,79%) e Sergipe
(23,42%). O único estado nordestino que apresentou redução foi a Bahia (-
4,24%).
O Subcoordenador de Educação e Fiscalização do Detran, Hamurab Figueiredo, explica que a elevação no Estado pode estar relacionada ao alto número de sinistros envolvendo motociclistas e ao aumento de mortes registrado em dezembro do ano passado. Conforme apontam dados do Departamento, cedidos à reportagem da TRIBUNA DO NORTE, as ocorrências com motos representaram mais da metade dos sinistros com vítimas fatais em todos os municípios.
Já em relação às mortes com outros veículos, as principais
motivações verificadas pelo Detran/RN incluem excesso de velocidade e
ultrapassagem em locais que não são permitidos. Embora Natal concentre o maior
total de mortes no trânsito, Hamurab Figueiredo adverte que os maiores aumentos
de casos têm ocorrido em cidades do interior:
“O Detran e a PRF trabalham de forma integrada e a gente vem
tentando municipalizar alguns municípios que possam ajudar nesse trabalho.
Entendemos que não é só da gente esse problema. Tem muita coisa que acontece
nos municípios e precisamos que eles auxiliem tanto na fiscalização quanto na
educação. Não conseguimos atender todos os municípios do Rio Grande do Norte”.
O panorama apontado pelo Detran não se difere muito de
cenários específicos, como os sinistros em BRs que cortam o Rio Grande do
Norte. Nessas vias, de acordo com levantamento da Polícia Rodoviária Federal do
Estado (PRF/RN), os casos de mortes de motociclistas também representaram mais
da metade do total de óbitos. Dos 118 contabilizados em 2024, 60 foram de
pessoas que estavam em uma moto.
O policial rodoviário federal Cleysson Araújo, chefe do
setor de comunicação da PRF, destaca o fato de que 42 das 60 pessoas que
morreram não eram habilitadas e 45% estavam sem capacete ou com uso incorreto
deste equipamento. Já a partir do que foi verificado neste ano, até o último
dia 11 de fevereiro, chamaram atenção os óbitos de motociclistas de aplicativo.
Até o momento, foram registrados 163 sinistros, dos quais 106 foram com motociclistas. Destes, sete morreram, dentre os quais pelo menos dois eram motoristas por aplicativo. “São pessoas que, teoricamente, têm expertise no trânsito. Então chamou atenção. Será que [o motivo] foi cansaço? Será que estão trabalhando demais? Será que foi desatenção?”, comenta.
De modo geral, por outro lado, o policial aponta que os
fatores humanos , como a falta de atenção, uso de celulares, excesso de
velocidade e mau uso de equipamentos de proteção individual são verificados na
maior parte dos sinistros de trânsito. Em relação ao crescimento expressivo de
vítimas fatais no ano passado, em todo o Estado, Cleysson Araujo atribui o dado
ao crescimento da malha viária. Especialmente as motos, esclarece, estão sendo
cada vez mais utilizadas e estão envolvidas em acidentes mais graves.
Sinistros de trânsito têm “múltiplas causas”
Os diferentes aspectos ligados aos sinistros no trânsito
corroboram a necessidade de analisar essas ocorrências por meio da abordagem do
Sistema Seguro, adotada pelo Brasil por meio do Plano Nacional de Redução de
Mortes e Lesões no Trânsito (PENATRANS). O psicólogo e professor Fábio de
Cristo, que pesquisa sobre comportamento no trânsito na Facisa/UFRN, esclarece
que nessa abordagem esses casos são vistos como uma ocorrência multifatorial.
O termo “sinistro de trânsito”, reforça o docente, passou a
ser adotado pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em 2023 para substituir
“acidente”, tendo em vista que este último reflete a ideia de acontecimentos
casuais. As mortes no trânsito, adverte, podem ser evitadas:
“Quando você tem um sinistro de trânsito, na perspectiva
agora do Sistema Seguro, essa ocorrência tem múltiplas causas porque o sistema
falhou naquele momento. Nesse sentido, as fragilidades humanas estão colocadas
no centro desse sistema, no sentido de que elas são a parte mais frágil dele.
Todas as ações do sistema, portanto, devem ser direcionadas a impedir que as
pessoas morram ou se lesionem gravemente”.
Fábio de Cristo aponta que entender o contexto é fundamental
para não culpabilizar apenas o ser humano pelos sinistros no trânsito. Segundo
ele, a redução de mortes passa por uma infraestrutura em pleno funcionamento,
com vias bem sinalizadas e fiscalizações. Sobre o aumento de casos de 2023 para
2024, especialmente, ele reforça o papel dos comportamentos ligados ao cenário
da pandemia da covid-19 e do pós-pandemia aliados às facilidades da sociedade
moderna.
Entre eles, estão o uso cada vez mais contínuo de
smartphones pelos participantes do sistema de trânsito, o aumento da
motorização em virtude das falhas no transporte público e o aumento expressivo
de serviços de entrega por aplicativo. Diante desse panorama, reitera o
professor, está o ser humano que pode apresentar comportamentos de risco que
precisam ser prevenidos.
Educação para o trânsito e políticas públicas
Frente ao aumento de casos envolvendo motociclistas e outros
sinistros de trânsito, Hamurab Figueiredo explica que o Detran/RN vem
promovendo algumas campanhas. Há três meses, por exemplo, foram realizadas
ações de conscientização em todos os pontos de mototáxi e junto à associação de
mototaxistas do Estado. Somado a isso, a Escola de Trânsito do Departamento
oferta cursos básicos para o público e o Programa Vida no Trânsito tem ganhado
força nos últimos anos.
A PRF vem atuando na mesma linha, realizando campanhas
educativas e buscando ampliar a conscientização com apoio da imprensa. Segundo
Cleysson Araújo, as iniciativas têm início com base na análise dos números e,
posteriormente, são desenvolvidas iniciativas globais na redução dos sinistros.
Fábio de Cristo argumenta que a educação para o trânsito
precisa melhorar em todo o país, tendo em vista que esse trabalho tem estado
majoritariamente limitado à decoração de ‘normas’ e ‘placas’.
O docente, defende ainda, a melhora das políticas voltadas à
saúde mental dos participantes do trânsito. “A Associação de Psicologia de
Tráfego [tem reivindicado] que as avaliações psicológicas sejam implementadas
na renovação de todas as carteiras”.
Tribuna do Norte
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