De Olhar digital.
A licitação da faixa dos 700
Megahertz para o 4G causa polêmica há algum tempo no Brasil. Por enquanto, o
serviço de banda larga móvel de quarta geração só funciona na faixa dos 2,5
Gigahertz no país. Mas os 700 megahertz – espectro usado na maioria dos países
com serviço de 4G estável – são bastante cobiçados; além de maior alcance, a
baixa frequência apresenta menos ruídos e interferências. O governo promete
licitar essa faixa para as operadoras de telefonia móvel em breve.
O que acontece é que a TV
digital opera em uma frequência muito próxima aos 700 megahertz; mas a partir
da licitação, vai ceder um espaço dentro dessa faixa para a alocação do 4G/LTE.
O problema é que se isso não for muito bem feito, a interferência entre os serviços
será inevitável. Para entender melhor, imagine um salão onde antes apenas a TV
digital falava entre si; aí eles resolveram colocar o 4G lá dentro desse salão
e separarar os dois apenas por uma parede muito fina; resultado, um pode
escutar e atrapalhar a conversa do outro.
O que é necessário hoje é uma
regulamentação muito clara, bem elaborada e baseada em resultados de testes de
interferência entre os sistemas", diz Julio Omi, responsável pelo
Laboratório de TV Digital do Mackenzie.
Quem dita as regras desse jogo
é a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). E para que o Brasil tenha um
4G de qualidade sem interferir no bom funcionamento da TV digital, cabe a ela
definir claramente e com rigor as bandas de frequência que cada um desses
serviços deverá funcionar.
Preocupados com a situação, a
Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão contratou a Universidade
Mackenzie para realizar testes sobre a interferência do 4G na TV digital. Os
ensaios foram todos feitos numa gaiola blindada eletromagneticamente, onde
nenhum sinal de rádio externo é capaz de penetrar.
"Os sinais são gerados
através de equipamentos de testes específicos dentro da sala, de forma que só
temos aqueles sinais que nós queremos", explica Omi.
Os resultados foram notórios;
preste atenção no sinal da TV quando se aumenta a potência do sinal 4G dentro
da gaiola. Assim, é fácil concluir que se as regras de operação não forem bem
definidas, haverá interferência. Nessa discussão, algumas pessoas mais radicais
chegaram a falar em “apagão” da TV digital. Segundo o professor, isso já é
exagero. Mas, dependendo da localização, uma residência pode sofrer muito para
assistir TV com qualidade.
Segundo Olímpio José Franco,
presidente da SET, se você está perto de uma estação-base, que são essas torres
que estão em cima dos prédios com as antenas de celular, uma antena coletiva do
seu prédio ou casa, isso pode causar saturação ou interferência.
Para a Sociedade Brasileira de
Engenharia de Televisão, a resolução atual da Anatel não é suficiente. É
preciso mais rigor. As operadoras de telefonia móvel não se pronunciaram sobre
a situação, mas conversamos com um especialista para explicar que – se não
forem definidos os espaços de cada um – a interferência será recíproca entre as
faixas moduladas. Ou seja, TV digital também vai interferir na qualidade do
sinal 4G/LTE.
"Você começa a ter erro
de bits sendo transmitidos nessa modulação digital. Uma página de internet, um
arquivo que você está baixando no seu celular começam a ter uma taxa de
tansferência muito mais lenta porque aqueles bits que foram errados por conta
da intermodulação (a interferência entre um e outro) precisam ser repetidos
várias vezes", diz Alessandro Cunha, diretor de tecnologia da Tech
Training. Segundo ele, o usuário não consegue atingir a velocidade adequada
porque a interferência "consome" a largura de banda só em erros de
retransmissão.
Aí a gente se pergunta: toda
essa discussão por aqui e nos Estados Unidos o 4G funciona perfeitamente na
faixa dos 700 megahertz sem atrapalhar a transmissão da TV digital; por que,
hein?!
Segundo nosso entrevistado, o
que acontece por lá é que além de as faixas de frequência que cada tecnologia
deve usar serem muito bem definidas, a determinação é respeitada pelas
emissoras de TV e operadoras de telefonia móvel e também constantemente
fiscalizado pela agência responsável. "E a regra feita pelos órgãos de
outros países garante um espaçamento mínimo, um isolamento mínimo entre uma
frequência e outra, de modo que não haja essa sobreposição", esclarece
Cunha. "O grande problema de 4G e TV digital é sobreposição e isso passa
por regulamentação."
Mais do que isso, ele afirma
que a qualidade de instalação, os instrumentos de medição utilizados para
testar essa qualidade e a definição dos parâmetros; é tudo perfeito e cuidado.
Já aqui no Brasil, talvez a pressão do governo pelo funcionamento do 4G até o
início da Copa do Mundo esteja atrapalhando um pouco as coisas.
Nós também tentamos falar com
a Anatel e a agência se limitou a dizer, através de nota, que as propostas para
licitação do uso da faixa dos 700 megahertz para a banda larga móvel de quarta
geração e da TV digital na faixa de 698 a 806 megahertz serão colocadas em
consulta pública durante o mês de maio. Ainda segundo a Anatel, há previsão de
três audiências públicas em Brasília (ainda sem datas definidas). E será
através dessas consultas e audiências que a Anatel pretende aperfeiçoar as duas
propostas.
Independente do que for
decidido, a conclusão é: se a gente quiser se comparar aos Estados Unidos, por
exemplo, as empresas precisarão respeitar estritamente as definições da Anatel,
com instalações bem feitas; e a Anatel, por sua vez, precisará fiscalizar o
funcionamento de ambas as tecnologias se quiser TV digital e 4G convivam em
harmonia sem qualquer interferência. Cada um fazendo seu papel.
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