Popular entre os jovens e com
presença confirmada nas festas mais agitadas de Natal, o cigarro eletrônico,
também conhecido popularmente como vape, tem a comercialização, fabricação,
importação, transporte, armazenamento e propaganda vetados no Brasil, através
de decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esse, no
entanto, não vem sendo um impedimento para que o produto esteja na mão dos
consumidores de forma constante.
De acordo com dados divulgados
pelo levantamento da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec),
até 2023, cerca de 2,9 milhões de pessoas consumiam vape no Brasil. Durante os
últimos seis anos, o Instituto aponta um crescimento no uso do dispositivo de
600%.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE conversou com dois jovens: uma mulher de 24 anos e um homem de 29 anos, que não quiseram se identificar. Ambos já utilizaram o cigarro eletrônico, mas após constatarem mudanças significativas na saúde, decidiram abandonar o produto.
A mulher fez uso do vape entre
os anos de 2020 e 2021, por pouco menos de dois meses. De acordo com ela, o
pouco tempo já foi suficiente para perceber uma piora na rinite alérgica,
crises de garganta e constantes faltas de ar. “Ele se tornou bem comum em
festas e acabei provando em uma delas”, conta, sobre o contato com o cigarro
eletrônico. Após perceber as mudanças respiratórias, ela explica que a decisão
de abandonar o produto aconteceu “por conta própria”, sem interferência de
amigos ou familiares.
Já o homem relata uma relação
diferente. Ao ingressar no mercado de produtos de variedades como empresário,
decidiu vender o vape, com visão diante da grande possibilidade de lucro,
considerando a febre de compras. No entanto, o que deveria ser uma relação
apenas comercial, entrou na vida pessoal dele durante festas e eventos.
O episódio durou cerca de seis
meses, aproximadamente dois anos atrás. Na época, ele percebeu mudanças na
saúde principalmente relacionadas aos fortes sabores de essência. “Não enxergo
as pessoas sabendo usar o produto, ainda vejo o consumo em excesso e em
diversas configurações diferentes”, avalia.
O Dispositivo Eletrônico para
Fumar (DEF), nome técnico utilizado pela Anvisa, funciona à base de uma bateria
que atua no aquecimento de uma solução líquida, produzindo um aerossol que será
inalado pelo usuário. De acordo com o Ministério da Saúde, a solução é composta
principalmente por nicotina, propilinoglicol ou glicerol e aditivos de sabor,
podendo conter variações nas substâncias. Estes produtos possuem também
elementos cancerígenos e com potencial explosivo, além de metais pesados e
produtos utilizados na indústria alimentícia.
A pneumologista Suzianne Lima,
professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro da
Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia, analisa os altos números de consumo do vape com preocupação. Para
ela, esse é um regresso às baixas contínuas registradas no cigarro
convencional, causado principalmente pelo grande apelo visual e as falsas
informações.
“Muitos deles são bonitos,
coloridos, têm vários designs, inclusive atrativos. Para combinar, o cigarro
eletrônico possui um aromatizante, que deixa o gosto bom na boca de quem tá
fumando, e não incomoda o fumante passivo, que agora nem sabe que tem alguém
fumando perto dele”, explica. Com mais de 2 mil substâncias e altos níveis de
nicotina, a médica aponta que o consumo do vape pode acarretar em doenças
importantes no sistema respiratório, cardiovascular, neurológico, reprodutor,
chegando até mesmo ao câncer.
“São destruições no sistema
pulmonar que a gente encontra no paciente que fuma acima de 40 a 45 anos, porém
temos encontrado em pacientes muito mais jovens”, alerta. Suzianne Lopes
aproveita para ressaltar para que os pais e a comunidade escolar estejam atentos
aos jovens, evitando a posse do dispositivo.
Para frear esse consumo, a
saúde mental merece um cuidado redobrado. Thaís Pinheiro, psicóloga clínica e
social, explica que a adoção de novos hábitos pode ser um grande aliado durante
esse processo de abandono do vape. “A forma que vai se dar o processo de
desintoxicação é intersingular, depende de cada contexto e de articulações
acessíveis”, conta. A profissional, que atua desde crianças a adultos, reforça
que ações básicas como focar em uma alimentação nutricional adequada, ingerir
água na quantidade ideal, ter noites de sono com qualidade e encaixar exercício
físico são essenciais.
“A psicologia entra nesse
processo de abandono do cigarro eletrônico para torná-lo menos desafiador e
mais sólido. Um dos primeiros passos é identificar os pontos que levam a
recaída. Após isso, é possível tentar evitá-los até que a base desse processo esteja
mais resistente”, afirma. Thaís ainda ressalta que o acompanhamento psicológico
é uma articulação que pode abranger outras áreas da vida, possibilitando o
reconhecimento de outros potenciais para desenvolvimento.
Comercialização é
considerada irregular
Os DEFs são vetados no Brasil
desde 2009 e tiveram a proibição mantida em decisão publicada no dia 19 de
abril deste ano. O não cumprimento é considerado uma infração sanitária e
levará à aplicação de penalidade, como advertência, interdição, recolhimento e
multa.
Durante pesquisa através das
redes sociais, não é difícil encontrar lojas virtuais em Natal que se propõem a
vender esse produto. Na grande maioria dos casos são perfis fechados, obrigando
o usuário a enviar uma solicitação para seguir e visualizar a propaganda do
vape.
A reportagem da TRIBUNA DO
NORTE entrou em contato com um desses perfis, que possuía na descrição o termo
“vapeshop”. No entanto, ao identificar que a informação seria para uma
publicação jornalística, o responsável negou comercializar o cigarro eletrônico.
“Trabalhamos apenas com tabacaria e charutaria. Já trabalhamos com ‘vapeshop’,
mas hoje não mais”, explica. Questionado se o cancelamento do produto aconteceu
após a última decisão da Anvisa, o responsável confirma. “A gente resolveu
parar recente devido a alguns problemas”, responde.
Horas depois do contato, a
loja retirou o termo “vapeshop” da descrição na rede social.
Hoje, a resolução da Anvisa
não alcança a proibição individual, mas veta qualquer modalidade de importação,
inclusive para uso próprio e na bagagem de mão do viajante. Independente ser
eletrônico ou convencional, o consumo do cigarro é proibido pela Lei 9.294/1996
em qualquer ambiente coletivo fechado.
Senado discute
regulamentação de vendas
No último dia 9 de julho, a
Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) Senado Federal decidiu pelo adiamento da
votação do Projeto de Lei (PL) 5.008/2023, que regulamenta o cigarro eletrônico
no Brasil. Agora, a previsão é que a matéria retorne à pauta no dia 20 de
agosto.
O PL, de autoria da senadora
Soraya Thronick (Podemos-MS), estabelece uma série de exigências para a
comercialização dos DEFs, incluindo a apresentação de laudo de avaliação
toxicológica para registro na Anvisa, cadastro na Receita Federal de produtos
fabricados, Importados ou exportados, além de cadastro no Instituto Nacional de
Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
De acordo com o texto, a
adição de vitaminas, cafeína, taurina, corantes, aditivos com vitamina E, óleos
minerais, vegetais ou gordura animal nos cigarros eletrônicos será proibida.
Além disso, substâncias consideradas impróprias para aquecimento e inalação
também estarão vetadas.
Caso a regulamentação seja
aprovada, o consumo de cigarros eletrônicos será sujeito às mesmas restrições
do cigarro convencional. A venda e fornecimento do produto para menores de 18
anos permanecerá proibida, conforme o PL.
A pneumologista Suzianne Lima
critica o projeto. “Não se pode arrecadar impostos de maneira alguma com algo
que faz mal a saúde. É trocar seis por muito mais que meia dúzia. Sabemos que
se algo faz mal, ele vai causar danos, e isso vai gerar um gasto que já foi
projetado como muito maior do que irá se arrecadar”, defende.
Tribuna do Norte
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