Analistas avaliam que o perfil
demográfico do país não é compatível com os gastos com Previdência, que somam
14% do PIB. Segundo levantamento apresentado pelo economista e professor da
PUC-Rio José Márcio Camargo, em jantar do presidente Michel Temer com
parlamentares esta semana para discutir a proposta de reforma, nações com
perfil demográfico semelhante ao brasileiro gastam, em média, 4% do PIB com
Previdência.
Camargo cruzou dados de
dezenas de países, observando duas variáveis. Uma delas é a razão entre pessoas
com 65 anos ou mais e a população em idade ativa (de 15 a 64 anos). No Brasil,
essa relação é de 12. A outra variável é quanto as despesas com Previdência
correspondem do PIB de cada país. Nas nações onde o gasto com aposentadorias e
pensões se assemelha ao do Brasil, aquela razão é o dobro, de cerca de 23.
O principal fator para essa
disparidade é que aposenta-se cedo no Brasil: 51% dos aposentados por tempo de
contribuição em 2015 receberam o benefício antes dos 54 anos, já que hoje não
há exigência de idade mínima para quem recebe o benefício pelo INSS. Apenas em
outros 12 países (Equador, Iraque, Irã, Síria, Arábia Saudita, Iêmen, Argélia,
Itália, Egito, Bahrein, Hungria e Sérvia) não há esse pré-requisito.
— A população jovem é menor e
entra mais tarde no mercado de trabalho por causa da escolaridade. Enquanto
isso, as pessoas vivem mais, mas o sistema permite que se aposentem cedo. A
vida do trabalho fica mais espremida, o período laboral é muito curto, não há
tempo suficiente para formar um volume de contribuições para bancar a velhice.
Os dados colocam a necessidade de aumentar a idade de se aposentar, que é a
proposta principal do governo — afirma a pesquisadora do Ipea e professora da
FGV Ana Amélia Camarano.
Reposição salarial alta
O número de brasileiros com 60
anos ou mais avançou 16% entre 2012 e 2016, para 29.566 milhões, segundo a Pnad
Contínua. Em 2012, eram 25.486 milhões. Enquanto isso, o número de crianças
(entre 0 e 13 anos) caiu 6,7% entre 2012 e 2016, para 64.619 milhões. A fatia
que os idosos representam da população passou de 31% para 34% em quatro anos.
Outra razão para que os gastos
com Previdência no Brasil correspondam a uma gorda fatia do PIB, segundo
Camargo, é que a taxa de reposição de salário é alta. É de 85,4%, enquanto a
média dos países da Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico
(OCDE) é de 57,5%. Isso significa que, no Brasil, quando uma pessoa se
aposenta, ela ganha 85% do seu salário na ativa.
— O teto do INSS (R$ 5.531) é
muito alto. Cerca de 95% dos trabalhadores do país ganham até R$ 5 mil. O
Brasil é um país desigual. Em algum momento esse teto terá que ser reduzido, ou
a contribuição dos trabalhadores terá que aumentar — afirma Camargo.
A média do benefício de quem
se aposenta por idade no Brasil é de R$ 951,77. Quem se aposenta por tempo de
contribuição ganha, em média, R$ 1.944,67. O servidor público do Legislativo é
o que tem a maior média, R$ 28.547.
Dados do Credit Suisse e das
Nações Unidas compilados pelo demógrafo e professor da Escola Nacional de
Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE) José Eustáquio Alves confirmam o ritmo mais
intenso do envelhecimento do Brasil e corroboram, segundo ele, a necessidade de
mudanças na Previdência. Na França, por exemplo, o grupo dos que têm 65 anos ou
mais vai levar 204 anos para avançar de uma parcela de 7% para 28% da população.
Na Suécia, o prazo será de 116 anos. No Brasil, o processo levará apenas 50
anos — de 2012 até 2062.
— Ignorar que o Brasil está
passando por um processo de envelhecimento intenso e rápido é um suicídio. Seja
quem estiver no governo vai ter que equacionar o problema. Algo precisa ser
feito para evitar a insolvência do sistema previdenciário. Os demógrafos
mostram isso desde os anos 80 — afirma José Eustáquio.
Incentivo para trabalhadores mais velhos
Para Ana Amélia Camarano, a
sociedade brasileira tem sido lenta em se adaptar ao envelhecimento da
população. Sua projeção é que, em 2050, o grupo dos que têm 60 anos ou mais
será 33% da população, ou 67 milhões de pessoas. Sem mudanças na Previdência, o
futuro das aposentadorias está em risco:
— Sem mudanças, o país pode
ter que reduzir o valor do benefício, ou viver uma situação como a do Rio de
Janeiro hoje, em que as pessoas ficam sem receber. É claro que o Rio tem um
histórico de má gestão e corrupção, mas também foram adiadas mudanças na
Previdência.
Ela defende, no entanto, que a
reforma da Previdência “não pode ser feita numa canetada” e que é preciso
promover políticas para garantir trabalho para os mais velhos, como programas
contínuos de qualificação e incentivo para que empresas contratem esses
trabalhadores, já que ainda existe preconceito no mercado.
Apesar de a tendência de
envelhecimento da população ser nacional, as regiões Norte e Nordeste têm um
perfil ainda mais jovem. Na região Norte, quase 19,7% da população têm entre 10
e 19 anos, taxa que é de 17,5% no Nordeste e de 15,9% na média nacional. Já a
população acima dos 60 anos responde por 14,4% no país, mas 9,2% no Norte e 16%
no Sudeste.
Ainda segundo a Pnad, a população
masculina apresentou, em 2016, padrão mais jovem do que a feminina: na faixa
etária até 24 anos, os homens totalizavam 18,7% (20% em 2012), enquanto as
mulheres, 17,9% (19,5% em 2012). Por outro lado, os homens de 60 anos ou mais
de idade correspondiam a 6,3% em 2016 (5,7% em 2012), e as mulheres dessa faixa
etária, 8,1% (7,2% em 2012).
O Globo
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