Bajulação, corporativismo, politicagem e parcialidade
foram alguns dos adjetivos atribuídos por juristas consultados pelo UOL à atual
fase da Justiça no Brasil. Nos últimos dias, a população soube pelo noticiário
que ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) arquivaram todos os pedidos de
suspeição contra seus pares; que o então juiz Sergio Moro orientou a Lava Jato
a não apreender celulares do ex-deputado Eduardo Cunha; e até a
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, retardou investigações contra o
presidente Jair Bolsonaro.
A semana começou com o jornal Folha de S.Paulo revelando
que o STF engavetou todos os pedidos de impedimento ou suspeição que já foram
analisados contra seus ministros em mais de 30 anos. Uma decisão que violou o
próprio regimento do tribunal, que orienta levar esse tipo de caso ao plenário
da Corte.
“Não pode um presidente do Supremo contrariar o regimento
e decidir monocraticamente uma questão constitucional”, afirma o jurista Walter
Maierovitch, desembargador aposentado do TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo.
“O STF é um órgão colegiado. Todos os ministros deveriam apreciar se há
suspeição de seus pares.”
Ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Gilson
Dipp já esperava por isso. “É uma coisa velha no Supremo. Já foram engavetados
inúmeros pedidos de suspeição, muitos com fundamentos, outros sem”, diz.
Para ele, o “espírito corporativista do Supremo sempre
impediu e sempre vai impedir” que prospere alguma contestação a seus membros.
“Da mesma forma que um pedido de impeachment no Senado [contra um ministro do
STF] jamais vai prosperar, salvo se acontecer algo extraordinário.”
Ainda ontem, revelações do sites The Intercept Brasil e
BuzzFeed News indicaram que o ministro Moro (Justiça e Segurança Pública)
orientou, quando juiz federal, os procuradores da Operação Lava Jato a não
recolherem os celulares de Eduardo Cunha na véspera da prisão do ex-presidente
da Câmara dos Deputados.
“Ainda é prematuro tirar conclusão sobre isso porque as
provas até o momento são inválidas”, diz o advogado constitucionalista
Marcellus Ferreira Pinto. “Mas, se comprovado interesse ideológico, isso pode
comprometer o processo e a estabilidade da operação Lava Jato.”
Para Dipp, o conteúdo dos vazamentos “não foi desmentido
até agora” pelos interlocutores, o que indica sua autenticidade. “Ele só mostra
o modo como se conduziu o processo: com parcialidade e interesse político”,
afirma.
Para Ferreira Pinto, é “lamentável” que o Brasil debata
“com recorrência” até que ponto essas ações e inquéritos são de natureza
política. Mas o “corporativismo”, diz, “é um problema das regras do jogo, do
sistema”.
Ele explica, por exemplo, que é competência do presidente
da República indicar o procurador-geral da República, que, por sua vez, é a
pessoa responsável por processar o chefe do Executivo.
A Folha também revelou hoje que Dodge segurou por mais de
120 dias investigações sobre Bolsonaro ao mesmo tempo em que articulava a
recondução ao cargo de chefe do Ministério Público Federal por mais dois anos.
“É demais exigir que o presidente indique um procurador
refratário às ideias políticas dele. Quando presidente, Michel Temer indicou a
Raquel e logo depois ela moveu uma ação penal contra ele”, diz Ferreira Pinto.
Dipp também atribui culpa “ao sistema vigente no Brasil”.
“É um constrangimento ter uma procuradora em campanha”, afirma. “A Raquel é uma
pessoa em campanha, e quem está em campanha fica sensível sobre qualquer
contrariedade que atinja o responsável por lhe indicar um cargo. Enquanto a
escolha for assim, os candidatos sempre ficarão bajulando o presidente”, disse
Gilson Dipp, jurista e ex-ministro do STJ.
Dois Brasis
Para Ferreira Pinto, é natural que uma decisão judicial
sobre a administração pública irradie suas consequências para a política. “Isso
acontece ao mandar um ex-presidente para a cadeia, especialmente em período
eleitoral. O problema é quando decisões judiciais são orquestradas com o fito
não de resolver o processo, mas de interferir no jogo político.”
Para Maierovitch, o Brasil vive uma fase em que a Justiça
não apenas garante os privilégios para alguns, mas prejudica a vida de todos os
outros. “É um momento grave porque você cria duas categorias de pessoas ao
acabar com a igualdade de todos perante a lei.”
Outra consequência, afirma Dipp, é a queda na
popularidade do judiciário. “Se fosse um time de futebol, o STF, com 11
ministros, seria um clube com raríssimos simpatizantes.”
Outro lado
Sobre o vazamento que indica orientação de Moro para não
utilizar os celulares de Cunha, Moro afirma que “não reconhece a autenticidade
das mensagens obtidas por meio criminoso, nem sequer vislumbrou seu nome como
interlocutor”.
“Em relação aos aparelhos celulares do ex-deputado
Eduardo Cunha, como foi amplamente divulgado pela imprensa, eles foram
apreendidos por ordem do STF na Ação cautelar 4044, antes da prisão
preventiva”, diz o ministro.
Procurada, a procuradoria-geral da República negou que
sua presidente tenha segurado as denúncias contra o presidente por questões
pessoais. Ela informa que o material foi enviado na terça-feira (6) de volta
para a primeira instância e que, “seguindo o rito normal de funcionamento do
setor, os procedimentos foram inicialmente classificados considerando o grau de
urgência e prioridade e após entraram na ordem de análise, considerando a
existência de outros casos que já aguardavam análise”.
UOL
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