
Segundo Boletim Geral datado
de 21 de setembro, o soldado “publicou palavras não condizente com a ordem
castrense, que desrespeita e ofende a instituição e seus integrantes, além de
promover o descrédito do bom andamento do serviço ostensivo da Polícia Militar,
conduta que é considerada contrária as normas regulamentares e éticas
esculpidas no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar” (SIC).
As palavras nas quais a
sindicância faz referência foram postadas no dia 26 de abril no Facebook.
Encontram-se numa página chamada Mudamos – que propõe discussões sobre o sistema
brasileiro de segurança pública. “Esse estado policialesco não serve nem ao
povo e muito menos aos policiais que também compõe uma parcela significativa de
vítimas do atual contrato social brasileiro. Temos uma Polícia que se assemelha
a jagunços, reflexo de uma sociedade hipócrita, imbecil e desonesta!!” (SIC),
comentou o soldado Figueiredo.
Para o tenente-coronel Arthur
Emílio Monteiro de Araújo, assessor de comunicação da PM, a punição ao soldado
foi aplicada conforme o previsto no regulamento. “Ele foi punido de acordo com
as normas. Quando ingressou na Polícia Militar, ele sabia quais eram as regras.
As redes sociais facilitam a comunicação, mas as pessoas esquecem dos cuidados.
Essa é uma orientação que nós damos: tenham cuidado com o que é postado, porque
o que é dito pode ser usado contra a própria pessoa. Muitas vezes, os policiais
se expõem e acabam também expondo seus familiares sem necessidade alguma”,
comentou.
'Punição severa'
Presidente da Associação dos
Cabos e Soldados da PM no Rio Grande do Norte, o cabo Roberto Campos considera
que a punição foi bastante severa. "Extremamente rigorosa e que causa
muita preocupação. Estamos falando de um regulamento disciplinar ultrapassado,
que pode dar margem para perseguições. O governador Robinson Faria prometeu,
durante sua campanha, dar fim a isso, para acabar com essas prisões
administrativas. O governador da Paraíba acabou com a prisão administrativa
através de decreto e não com o regulamento disciplinar. O RN também precisa
sair do discurso. Não existe nenhuma necessidade dessa punição. O soldado
Figueiredo não atingiu ninguém. Acontece que estão usando um código arcaico
para suprimir a liberdade de expressão, para esconder e não permitir que as
pessoas tomem conhecimento dos abusos que ocorrem dentro dos quartéis da
Polícia Militar”, declarou.
![]() |
Publicado no dia 21 deste mês.
Boletim Geral da PM traz a punição de 15 dias de prisão ao soldado João Maria
Figueiredo da Silva (Foto: Reprodução/BGPMRN)
|
Ainda de acordo com Campos, o
Regulamento Disciplinar da PM potiguar é tão antigo que ainda prevê punição
para os militares que casarem sem antes solicitarem permissão aos seus
superiores. “São coisas totalmente em desuso, mas que ainda estão no papel. E
se alguém quiser fazer valer a regra? O policial que casar sem comunicar, deve
ser preso? Se cuspir no chão, deve ser preso? Em um ambiente público, como em
um ônibus ou em um restaurante, por exemplo, o policial deve se levantar e dar
o lugar. O subordinado não pode estender a mão para apertar a mão de um
superior, mas se o superior estender a mão, ele não pode se recusar a apertar.
São coisas deste tipo que estamos falando”, acrescentou.
O advogado Bruno Saldanha, que
faz a defesa do soldado, também comentou o caso. Segundo ele, “andou mal o
comandante-geral da PM em prestar-se a abrir procedimento disciplinar para o
fim de castrar o direito de pensamento do policial, de modo a constrangê-lo em
decorrência de sua ideologia e pensamento político. A nosso ver, o procedimento
em questão não se presta ao interesse público. As práticas, regras e
hermenêuticas aplicadas ontem não devem ser as de hoje. A abertura de um
procedimento desta natureza é um atentado à democracia, ao Estado de Direito. É
ir contra tudo aquilo que se vem batalhando para que não aconteça, ou seja, o
fim da Polícia Militar”.
Saldanha lembra que existe uma
recomendação da Secretaria Nacional de Segurança Pública no sentido de extirpar
a prisão disciplinar das corporações militares estaduais, bem como a reforma
urgente dos regulamentos disciplinares e sua substituição por códigos de ética
que estejam em consonância com a nova ordem constitucional. “A Comissão de
Constituição e Justiça do Senado aprovou uma lei que veda a prisão disciplinar
no âmbito da PM e do Corpo de Bombeiros Militar; o decreto de 21 de setembro
deste ano, no estado da Paraíba, determinando a extinção da prisão disciplinar;
o posicionamento do STF sobre a liberdade de expressão de militares e violação
do artigo 220 da Constituição Federal, que trata da manifestação do pensamento;
além dos tratados internacionais firmados pelo Brasil em defesa dos Direitos
Humanos que, em razão das decisões dos comandos da PM e do Corpo de Bombeiros
podem gerar sanções financeiras e diplomáticas, retratam claramente o que
estamos defendendo aqui”, acrescentou o advogado.
'Transgressões exageradas'
A pedido do G1, o presidente
da Associação dos Cabos e Soldados da PM do Rio Grande do Norte listou algumas
das transgressões que ele considera exageradas. Veja:
– Contrair dívidas ou assumir
compromisso superior às suas possibilidades, comprometendo o bom nome da
classe;
– Recorrer ao judiciário sem
antes esgotar todos os recursos administrativos;
– Ter pouco cuidado com o
asseio próprio ou coletivo, em qualquer circunstância;
– Portar-se sem compostura em
lugar público;
– Frequentar lugares
incompatíveis com seu nível social e o decoro da classe;
– Conversar ou fazer ruído em
ocasiões, lugares ou horas impróprias;
– Usar traje civil, o cabo ou
soldado, quando isso contrariar ordem de autoridade competente;
– Deixar de portar, o policial
militar, o seu documento de identidade, estando ou não fardado ou de exibi-lo
quando solicitado;
– Deixar, quando estiver
sentado, de oferecer seu lugar a superior, ressalvadas as exceções previstas no
Regulamento de Continência, Honra e Sinais de Respeito das Forças Armadas;
– Sentar-se a praça, em
público, à mesa em que estiver oficial ou vice-versa, salvo em solenidade,
festividade ou reuniões sociais;
– Deixar o subordinado, quer
uniformizado, quer em traje civil, de cumprimentar superior uniformizado ou
não, neste caso desde que o conheça ou prestar-lhe as homenagens e sinais
regulamentares de consideração e respeito;
– Censurar ato de superior ou
procurar desconsiderá-lo;
– Discutir ou provocar
discussões, por qualquer veículo de comunicação, sobre assusto políticos, militares
ou policiais militares, executando-se os de natureza exclusivamente técnicos,
quando devidamente autorizados;
– Autorizar, promover ou tomar
parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório, seja
de crítica ou de apoio a atos de superior, com exceção das demonstrações
íntimas de boa e sã camaradagem e com reconhecimento do homenageado;
– Aceitar o policial militar
qualquer manifestação coletiva de seus subordinados, salvo as referidas no
número anterior;
– Autorizar, promover ou
assinar petições coletivas dirigidas a qualquer autoridade civil ou policial
militar;
– Embriagar-se ou induzir
outro à embriaguez, embora tal estado não tenha sido constatado por médico;
– Usar, quando uniformizado,
barba, cabelos, bigode ou costeletas excessivamente compridos ou exagerados,
contrariando disposições a respeito;
– Usar, quando uniformizado,
cabelos excessivamente compridos, penteados exagerados, maquilagem excessiva,
unhas excessivamente longas ou com esmalte extravagante;
– Usar, quando uniformizado,
cabelos de cor diferente da natural ou peruca, sem permissão da autoridade
competente;
– Frequentar uniformizado
cafés e bares;
– Receber visitas nos postos
de serviço ou distrair-se com assuntos estranhos ao trabalho.
Bombeiro também é punido
A punição aplicada ao soldado
Figueiredo não é um caso isolado. Presidente da Associação dos Bombeiros
Militares do RN, o soldado Dalchem Viana do Nascimento Ferreira também foi
punido por fazer uso de redes sociais. Assim como o PM, o bombeiro também aguarda
notificação. Enquanto isso, segue rotina normal de trabalho.
No caso do dele, o castigo foi
de três dias de prisão por ter enviado um áudio em um grupo de WhatsApp no qual
convoca membros associados para uma assembleia. Na gravação, feita no dia 22 de
junho, o militar fala: “Senhores boa tarde. É, só para informar para que todos
os soldados e cabos da ABM estão convidados não, estão convocados a comparecer
a esta reunião, no dia e local marcado, porque o quartel é também de cabos e
soldados, então estão todos convocados a comparecerem a reunião. Eu estarei lá,
entendeu, a Comissão de Direito da OAB também estará lá e também vou levar a
situação agora ao Secretário de Segurança, e a chefe de Gabinete Civil” (SIC).
Em nota, a Comissão de Direito
Militar da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte repudiou a
decisão. Leia a íntegra:
Tendo consciência, porém, da
complexidade da situação estabelecida, a Comissão de Direito Militar da OAB-RN
informa que buscará os envolvidos para debater a situação, tendo, inclusive,
constituído um grupo de trabalho para a discussão do tema. Importa, ainda,
ressaltar que esta comissão acompanhará os desdobramentos do caso em conjunto
com a Comissão de Direitos Humanos da OAB-RN, haja vista notícias relativas a
violações de direitos fundamentais e tratados internacionais firmados pelo
Brasil, no intuito maior, sempre, da preservação das garantias constitucionais.
'Sanções diplomáticas'
Na condição de advogado das
partes, tanto do policial militar como do bombeiro, Saldanha considera que as
punições podem causar sanções internacionais ao Brasil. "Refutamos como
gravíssimas as penalidades impostas pelos Comandos da PM e do Corpo de
Bombeiros. Prisão é algo muito sério.
Não estamos a falar de crime, mas da
manifestação do pensamento de cidadãos que merecem proteção do Estado. Não cabe
nesta quadra da vida democrática brasileira violações a direitos fundamentais,
como, a liberdade de pensamento, associação e opinião. O que nos preocupa é o
uso seletivo do Regulamento Disciplinar da PM para constranger os profissionais
de segurança pública do Estado. Tanto é que não se viu a abertura de qualquer
procedimento disciplinar de vários militares, alguns de alta patente, que foram
para as redes sociais fazem propagar apologia ao golpe militar em pleno regime
democrático ou, ainda, promoção à violência policial. Por isso dizemos que o
cunho destes procedimentos é manifestamente político. Não se visa proteger a
honra ou a imagem da corporação e, mesmo que fosse, a Estado poderia mover a
respectiva ação reparatória. Esperamos que o Governo do Estado e a Secretaria
de Segurança tomem as rédeas da situação e desfaçam estes atos contra a
democracia brasileira. A repercussão do caso já é internacional, a OAB e os
órgãos de proteção aos direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human
Rights já tomaram ciência do caso e já acionaram os organismos internacionais
competentes. O Brasil pode sofrer sanções severas no campo diplomático, além de
sofrer com pesadas multas. Várias destas normas internacionais já se encontram
internalizadas e com força de norma constitucional. Não cabe distorcer a
conjuntura normativa constitucional vigente em detrimento de Regulamentos
Disciplinares claramente não recepcionados", comentou.
Ainda segundo o advogado,
"a PM e o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Norte não respeitam a lei, a
competência da Corregedoria da Secretaria de Segurança, a necessária
publicidade dos atos e até mesmo as prerrogativas de advogados, se julgam acima
de qualquer autoridade, uma vez que não permitem que suas decisões sejam
revisadas pela própria secretaria de segurança ou até mesmo pelo Governador do
Estado. Entendem que o direito de punir é da autoridade militar e não do
Estado. Levam as supostas indisciplinas, especialmente estas de cunho opinativo
para o lado pessoal e impõe, a seu bel prazer, todo tipo de penalidade.
Lá quem decide como e quantos
dias o militar ficará preso não é a Lei, mas sim a autoridade militar. Em pleno
século 21, num país democrático, temos cidadão sendo presos por expressar sua
opinião. Iremos cobrar providências e, também, lutar para que medidas firmes
sejam tomadas. O militar também é dotado de direitos e garantias e não pode ter
sua liberdade de expressão censurada", concluiu.
G1RN
G1RN
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Reflita, analise e comente