Um relatório elaborado pelo
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) – órgão da União
independente, mas que funciona em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos
– aponta que o número de mortos no massacre de Alcaçuz pode chegar a 90.
Dados coletados pelos peritos
que elaboraram o documento revelam que 71 detentos da unidade estão
'desaparecidos'. Oficialmente, segundo o governo do estado, 26 presos foram
mortos durante as rebeliões de janeiro e 56 considerados fugitivos.
O G1 entrou em contato com a
assessoria de comunicação da Secretaria de Justiça e da Cidadania (Sejuc),
responsável pelas unidades prisionais do estado, mas até o momento o órgão não
se posicionou sobre o resultado do relatório.
O 'Massacre de Alcaçuz',
episódio mais violento da história do sistema penitenciário potiguar, aconteceu
no dia 14 de janeiro. A penitenciária fica em Nísia Floresta, cidade da Grande
Natal.
Quatro dos 26 corpos
recolhidos pelo Itep ainda não foram identificados. Destes, três estão
carbonizados e permanecem no Instituto Técnico-Científico de Perícia (Itep). O
quarto cadáver, não identificado pela falta de familiares para o devido
reconhecimento, foi enterrado como indigente após ter o material genético
recolhido.
No último dia 11, parte de uma
ossada foi descoberta próximo ao pavilhão 2 da unidade. Contudo, ainda não há a
confirmação se os restos mortais são humanos nem quando a provável vítima foi
morta.
Em março, uma equipe do
mecanismo esteve na capital potiguar e requereu, junto ao Itep, respostas
específicas sobre as situações que ocorreram durante as rebeliões. Peritos
também foram pessoalmente a Alcaçuz, onde entrevistaram presos e agentes
penitenciários que trabalham na unidade.
Desaparecidos
“Como mencionado, há 71
pessoas que constam estar em Alcaçuz, mas que não estão. Elas podem ter tido
transferência não registrada, fugas/recapturas não contabilizadas, ou óbitos
não reconhecidos […]. É possível que o número de mortes se aproxime à estimativa
inicial, ou seja, 90 mortos”, aponta trecho do relatório.
"Destaca-se o acentuado
descontrole de informação por parte das autoridades prisionais. As notícias
iniciais tratavam de mais de 100 mortes dentro de Alcaçuz, mas oficialmente
foram comprovadas 26 mortes dentro da penitenciária. Porém, esse número pode
vir a ser maior, porque não existe um número oficial de pessoas desaparecidas”,
diz outro trecho do documento.
O relatório também aponta que
há, potencialmente, 636 pessoas privadas de liberdade em Alcaçuz que não
deveriam estar presas em regime fechado. “Há fortes indícios de que
aproximadamente 49% de toda a população carcerária de Alcaçuz estaria presa
indevidamente”, dizem os peritos.
No relatório também consta a
informação de que a equipe do mecanismo recebeu a informação de que além dos
restos humanos encontrados e documentados, dentro da penitenciária havia uma
fábrica de bolas onde corpos podem ter sido incinerados, reforçando assim a
tese de que podem haver corpos enterrados ou nas fossas sépticas.
“Durante a rebelião, esta
fábrica, que continha uma grande quantidade de material inflamável, foi
incinerada e havia muitos relatos de que alguns corpos teriam sido carbonizados
neste local. Os peritos teriam recolhido as cinzas, mas não teria sido possível
proceder à identificação devido ao estado das amostras”, traz trecho do
relatório que também comenta os procedimentos do Itep, classificados como
“inadequados”.
Insalubridade
Os peritos do mecanismo
constataram também as péssimas condições das celas em Alcaçuz e no Rogério
Coutinho Madruga, mais conhecido como Pavilhão 5.
“As condições das celas e
pavilhões são bastante insalubres, com acúmulo de sujeira decorrente da
danificação da estrutura física, restos de alimentação e dejetos humano não
evacuados pelo esgotamento sanitário – devido ao racionamento de água. Ambiente
propício para a proliferação de doenças e sério comprometimento à saúde.
Fiações expostas e arranjos elétricos perigosos prejudicam ainda mais a
segurança das pessoas, o que piora nos períodos de chuva. O contexto
infraestrutural de vida cotidiana expõe os presos a tratamentos cruéis,
desumanos e degradantes, com condições propícias à tortura", diz o relatório.
A presença de uma fossa
séptica a céu aberto e grandes pilhas de lixo também é relatada. No Pavilhão 5,
havia uma média de 17 detentos por cela, que tem capacidade para oito.
“Confinamento integral e muito degradante”, acrescenta.
Lei do mais forte
No documento, os peritos do
mecanismo afirmam que em Alcaçuz foi instalada uma dinâmica onde os espaços
privilegiados, como as celas, "são tomados por determinadas pessoas de
modo arbitrário e violento. Pela deliberada ausência do Estado, aplica-se a lei
do mais forte para a distribuição espacial, favorecendo uma lógica de favores,
compra, venda e extorção para se ter um abrigo e acesso a um banheiro, por
exemplo".
E acrescenta: "A omissão
estatal impõe aos internos um contexto de extrema vulnerabilidade, em que casa
um deve providenciar por seus meios a garantia de direitos básicos. A privação
de liberdade dentro dos pavilhões, sem qualquer controle, implica em expor
permanentemente o direito à vida dos detentos".
Condições precárias
O relatório também aponta que
as condições dos servidores da penitenciária estão comprometidas. Segundo os
peritos, o prédio está deteriorado e existe apenas um acesso de entrada e saída
nestas áreas, o que causa preocupação em situações como rebeliões.
"Os alojamentos
destinados ao descanso dos agentes são extremamente quentes, com mosquitos,
camas e armários velhos e sujos e ventiladores improvisados. Os banheiros são
impróprios e não funcionam e as instalações elétricas são comprometidas".
Em Alcaçuz, a proporção é de
120 presos para cada agente penitenciário, quando a Lei de Execuções Penais
prevê um agente para cada grupo de cinco detentos. Houve relato de que muitos
agentes sofrem de insonia e ansiedade. O relatório aponta também que o Estado
não provê, institucionalmente, nenhum serviço de acompanhamento psicológico ou
social a estes servidores.
G1RN
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Reflita, analise e comente