A 3ª vara da Fazenda Pública de Natal atendeu o pedido do
Ministério Público Estadual e vedou ao próximo governante do RN o
contingenciamento de verbas previstas para segurança pública em 2019.
Na ação civil, a 70ª Promotoria de Justiça defende a
existência de “um estado de coisas inconstitucional na segurança pública do Rio
Grande do Norte”.
Este “estado de coisas inconstitucional”, segundo a peça
do MP, “ocorre quando se tem um quadro de violação generalizada de direitos
fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das
autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas
transformações estruturais do poder público e a atuação de uma pluralidade de
autoridades possam modificar a situação inconstitucional”.
A decisão judicial é destinada para os atuais governador
do Estado e secretário estadual do Planejamento e das Finanças. Como o atual
governador não conseguiu se reeleger nas eleições deste ano, a decisão deverá
ser cumprida pelo próximo governador ou governadora a serem escolhido em
segundo turno.
Na peça, a Justiça lembra o notório e vertiginoso aumento
da criminalidade no RN, “que vem avançando progressivamente no cenário social
de maneira muito preocupante, na medida em que a Administração Pública não
consegue resolver a situação”.
Cartão postal
Na ação civil, ainda, o MP cita ainda a notoriedade que o
Rio Grande do Norte vem ganhando internacionalmente “pelo morticínio muito
superior ao aceitável, que, segundo estudos da Organização Mundial da Saúde, é
de 10 mortes para cada 100 mil habitantes”.
Em 2017, constatou-se que o Rio Grande do Norte foi o
Estado mais violento do país. A taxa de condutas violentas letais intencionais
do Estado (68,6 mortes/100 mil habitantes) é quase duas vezes e meia superior à
do Brasil (28,5 mortes/100 mil habitantes) e chega a ultrapassar até mesmo à da
Síria (61,8 mortes/100 mil habitantes).
Na peça, o MP lembra que “até mesmo nas antes pacatas
cidadezinhas do interior, a população convive com o medo do próximo homicídio,
latrocínio, assalto”.
Para a 70ª Promotoria de Justiça de Natal, “não faltam
crimes para justificar a sensação de insegurança vivida pelo povo potiguar,
tais como roubos de aparelhos de telefone celular em via pública, arrastões em
residências, farmácias, restaurantes e ônibus, saidinhas de banco e, em cenário
típico de guerras, explosão de veículos de transportes de valores e agências
bancárias, lotéricas e postais, em que quadrilhas fortemente armadas humilham
policiais, aterrorizam cidades inteiras, fazem a população de refém, forçam as
pessoas a ajudarem na empreitada criminosa e deixam evidente a força do poder
do crime à frente do aparato repressor estatal”.
Para o MP, “diante desse cenário de aumento e descontrole
do fenômeno criminal, era de se esperar que o Estado do Rio Grande do Norte
estivesse tratando a área de segurança pública como prioridade, até mesmo em
atenção aos anseios da população”.
Inquérito civil
Para apurar os gastos do Estado com as instituições de
segurança pública (Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar e
Instituto Técnico-Científico de Perícia), foi instaurado um inquérito civil
onde se compararam as previsões orçamentárias com as despesas efetivamente
realizadas para, em seguida, possibilitar a análise da legitimidade do eventual
contingenciamento de verbas nessa área.
“O procedimento focou especificamente nas despesas com
custeio e investimento pelo simples motivo de que elas se sujeitam mais
fortemente à discricionariedade do que as despesas com pessoal. É dizer, o
Estado não tem muitos mecanismos para diminuir as despesas com pessoal, já que
a irredutibilidade de vencimentos e a exoneração involuntária de servidores são
medidas excepcionalíssimas, mas pode escolher, com uma certa liberdade, gastar
menos ou mais com a manutenção (custeio) e a expansão (investimento) da máquina
pública”, explica a 70ª Promotoria de Justiça, na peça.
Para o MP, “os dados coletados no inquérito civil
evidenciam que o Estado do Rio Grande do Norte está longe de tratar a segurança
pública com a prioridade que seria necessária para, pelo menos, minimizar o
problema da insegurança”. No período entre 2015 e 2017, a frustração da receita
foi de 11,3%, enquanto o contingenciamento das verbas para a área de segurança
pública foi um pouco maior no tocante ao custeio (14,8%) e fortemente maior no
tocante ao investimento (85%). Em números absolutos, isso significa que, nesses
três anos, o Estado do Rio Grande do Norte deixou de gastar R$ 65.652.980,52
dos R$ 230.944.000,00 orçados com custeio e investimento em segurança pública,
o que representa um contingenciamento total de 28,4% do orçamento.
Contingenciamento
Quando computadas somente as despesas custeadas pelo
tesouro estadual, excluindo-se, além de outras, as verbas transferidas através
de convênios federais, a situação da segurança pública é ainda pior.
Considerado o mesmo período (2015/2017) e a mesma frustração de receitas
(11,3%), o tesouro estadual contingenciou 20% das verbas para custeio e 94,4%
das verbas para investimento na área de segurança pública, no total de 65,5% de
contingenciamento, “chegando ao cúmulo de não gastar um único centavo com
investimento no Corpo de Bombeiros Militar e no Itep”, diz trecho da ação.
Com base nesses dados, para o MPRN, “é fácil concluir que
os órgãos de segurança pública estaduais não vêm recebendo os recursos
necessários ao enfrentamento do surto de criminalidade que se instalou já há
algum tempo e está em constante expansão no Rio Grande do Norte”.
Ainda no documento, a 70ª Promotoria de Justiça frisa que
“a equação é desastrosa: os crimes aumentam em quantidade, ousadia, violência e
enfrentamento às forças estatais; por outro lado, os órgãos de segurança
pública diminuem seja pela deterioração das estruturas físicas e equipamentos
de trabalho, seja pela não expansão das estruturas físicas, não aquisição de
novos equipamentos de trabalho e não implementação de novas tecnologias de
combate ao crime que seriam necessários para o acompanhamento do crescimento da
população e dos níveis de criminalidade”.
Para o MP, os contingenciamentos, dada a situação de
calamidade na segurança pública estadual, “não encontram amparo jurídico à luz
do dever estatal de garantir o direito fundamental à segurança pública, o que
vem sendo negligenciado ao longo dos anos, culminando por instalar um estado de
coisas inconstitucional nessa área e, consequentemente, legitimar a intervenção
judicial na execução orçamentária com vistas à cessação ou, pelo menos, a
diminuição desses contingenciamentos”.
Agora RN
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