O debate sobre o
desenvolvimento de fontes de energia limpas e sustentáveis segue na ordem no
dia e, nesta semana, agitou as redes sociais depois da afirmação da presidente
Dilma Rousseff que, em entrevista coletiva concedida na ONU (Organização das
Nações Unidas), disse não existir tecnologia atualmente para “estocar vento”,
em menção às dificuldades decorrentes da viabilidade técnica de se substituir
as hidrelétricas por fazendas de energia eólica.
Apesar da confusão de palavras
na frase da presidente, o aproveitamento máximo da produção de energias
alternativas, como a eólica e a solar, é um tema que chama a atenção de
especialistas no setor. Neste sentido, a Revista Samuel republica a reportagem
da Agência Fapesp, de 2014, sobre o processo que está sendo desenvolvido por
cientistas britânicos para usar ar líquido como forma de otimizar a utilização
de fontes renováveis como a solar e a eólica, reduzindo os efeitos de sua
intermitência no abastecimento da rede elétrica. Confira a íntegra da
reportagem de José Tadeu Arantes.
O Reino Unido vai utilizar ar
líquido para estocar energia proveniente de fontes renováveis (solar e eólica).
O método, já testado em planta-piloto, deverá entrar em escala comercial em
2018.
Segundo os responsáveis pelo
projeto, a proposta é contribuir para a superação de altos e baixos no
abastecimento provocados pela intermitência das fontes renováveis. Estocada em
ar líquido, a energia estaria disponível para o consumo mesmo em dias nublados
ou de calmaria.
O projeto foi explicado pelo
professor Richard Williams, pró-reitor e diretor da Faculdade de Engenharia e
Ciências Físicas da University of Birmingham, no Reino Unido, em palestra na
FAPESP, durante o evento “UK-Brazil interaction meeting on cooperation in
future energy system innovation”, realizado para promover a cooperação
científica entre pesquisadores brasileiros e britânicos na inovação de sistemas
de energia.
“Uma planta-piloto de 350
quilowatts (kW) encontra-se em funcionamento, conectada à rede elétrica do
Reino Unido, há três anos. Essa unidade está sendo, agora, transferida para a
University of Birmingham como uma plataforma de testes. E o governo
disponibilizou um financiamento de £ 8 milhões para que uma unidade de demonstração,
de 5 megawatts (MW), esteja operacional em meados de 2015. Tudo isso para que
tenhamos a opção comercial da estocagem de energia em ar líquido até 2018”,
disse Williams à Agência Fapesp.
Wikicommons
O princípio físico do processo
é relativamente simples. Setecentos e dez litros de ar, resfriados a menos 196
graus Celsius, dão origem a um litro de ar líquido. Esse ar líquido pode ser
estocado e, posteriormente, quando entra em contato com uma fonte térmica,
volta a se expandir. A expansão do ar é utilizada, então, para movimentar uma
turbina, convertendo a energia mecânica em energia elétrica.
A liquefação do ar é uma forma
de estocar a energia proveniente de fontes intermitentes, como a solar e a
eólica, assegurando que a rede não sofra decréscimo de fornecimento nos
momentos de menor insolação ou de redução no regime dos ventos.
De acordo com Williams, dessa
forma, otimizando a utilização de fontes renováveis, a estocagem criogênica
(que utiliza temperaturas muito baixas) passa a ser uma importante peça na
política britânica de descarbonização da matriz energética.
O Climate Change Act, aprovado
pelo Parlamento britânico em 2008, estabelece a redução de 80% nas emissões de
gás carbônico (CO2) até 2050. E as Renewables Obligations determinam que os
provedores de energia elétrica licenciados no Reino Unido forneçam uma
proporção crescente de eletricidade gerada a partir de fontes renováveis, fixando
a banda de 15% para 2020.
“O ar líquido para armazenamento de energia
torna-se mais eficiente acima de 10MW, de modo que não é apropriado para uso em
edifícios isolados, mas bastante adequado na escala que vai do bairro ou do
parque industrial à cidade. Já no âmbito dos transportes, uma possibilidade é
seu emprego em soluções de tecnologia híbrida, para aumentar a eficiência de
motores diesel, em caminhões ou balsas de curto percurso, por exemplo”, disse
Williams.
Aumento na eficiência
Considerando-se os dois
ciclos, de resfriamento e reaquecimento do ar, a eficiência esperada para o
processo, na etapa de demonstração, é da ordem de 60%, contou o pró-reitor da
University of Birmingham.
“Mas a eficiência pode ser
aumentada para 80% ou mais com a utilização de calor residual no ciclo
expansivo. Outra forma de aumentar ainda mais a eficiência é conjugar as
unidades produtoras de ar líquido com terminais de gás natural liquefeito, de
modo a aproveitar o frio residual produzido nesses terminais durante a fase de
reconversão do gás ao estado gasoso”, explicou.
Segundo Williams, os impactos
ambientais diretos do processo deverão ser muito baixos. “Para o armazenamento
de energia, o dispositivo apenas captura e esgota o ar. E, quando a estocagem
criogênica é utilizada em motores, o material trocado com o meio é novamente o
ar”, disse.
“Como a temperatura de
funcionamento desses motores é menor do que a da combustão interna
convencional, os componentes podem ser fabricados com plásticos em vez de
metais, reduzindo a energia incorporada”, argumentou.
Eleita “universidade do ano”
pelos periódicos The Times e The Sunday Times, a University of Birmingham tem
entre suas prioridades atuais a criação de soluções inovadoras a partir do
conceito de sustentabilidade.
Por isso, somou-se a outras
quatro universidades britânicas (Hull, Leeds, Sheffield e York) para formar o
Centre for Low Carbon Futures (Centro para Futuros de Baixo Carbono), que reúne
engenheiros, cientistas naturais e cientistas sociais focados em alternativas
energéticas e mudanças climáticas, em interface com governo, empresas e
entidades da sociedade civil.
O Birmingham Centre for
Cryogenic Energy Storage (Centro de Armazenamento de Energia Criogênica da
University of Birmingham), criado em associação com a University of Hull, é
parte dessa iniciativa.
A University of Birmingham
mantém acordo de cooperação com a FAPESP para apoiar projetos de pesquisas
colaborativas entre o Estado de São Paulo e o Reino Unido. Duas chamadas de
propostas já foram lançadas no âmbito do acordo. Na primeira chamada, sete
propostas foram selecionadas.
Opera Mundi
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Reflita, analise e comente