O primeiro efeito imediato do
projeto que desfigura o Estatuto do Desarmamento, em análise na Câmara dos Deputados,
será eternizar a posse de 631.144 armas de fogo no país. Esse é o número de
registros ativos na Polícia Federal, segundo dados obtidos pelo GLOBO via Lei
de Acesso à Informação. No Rio, são 33.029 armas cadastradas na PF, que faz
controle da posse concedida a civis, tais como pessoas físicas, órgãos de
segurança pública não militares, empresas privadas de vigilância e órgãos
públicos.
A posse, que hoje tem de ser
renovada a cada 3 anos, pode se tornar definitiva se for aprovado o texto
original do projeto, que deve ser votado na comissão especial da Câmara no
próximo dia 20. O ponto é um dos mais polêmicos do relatório, de autoria do
deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), que já está na sétima versão, tamanha a
falta de consenso em torno do tema. Diretora-executiva do Instituto Igarapé,
que trabalha temas relacionados à violência, Ilona Szabó critica a proposta de
alteração:
— É fundamental que a
periodicidade da renovação seja mantida. Atualmente, é no momento da renovação
que se verifica, por exemplo, se a arma ainda está com o proprietário, é feita
a comprovação da idoneidade e dos antecedentes criminais, bem como a capacidade
técnica e psicológica para o manuseio de armas de fogo — afirma ela. — Se
devemos renovar periodicamente nossa permissão para conduzir automóveis, fazer
vistoria em carros, como não exigir a periodicidade do registro da posse de
armas de fogo?
Na opinião de Ilona, o
controle de armas é uma etapa fundamental para a redução da violência letal no
Brasil, que faz cerca de 58 mil vítimas por ano, dos quais 70% são assassinados
com o uso de arma de fogo. Ela defende a facilitação do processo de renovação
da posse, com mais informatização, mas preservando a obrigatoriedade de
revalidar o registro periodicamente. Ilona cita o Reino Unido como um bom
exemplo, por ser um país com regulação restrita de armas e munições onde a
validade da posse é de 5 anos.
Para o deputado Carvalho,
entretanto, o Estatuto do Desarmamento, atual legislação de controle de armas
no Brasil, em vigor desde 2003, não foi capaz de inibir a violência. Ele
destaca que o objetivo do seu relatório é desburocratizar os processos para aquisição
das peças, o que “não significa vender ou distribuir armas em qualquer
esquina”. Com regras mais flexíveis, o parlamentar diz acreditar que será
possível legalizar as armas que atualmente circulam na clandestinidade.
— Acima de tudo, defendo que as
mais de 600 mil armas já devidamente registradas no Brasil mantenham sua
validade permanente. O cadastro dessas armas já tramitou em sua totalidade, não
há motivo para que o cidadão refaça todo o processo — defende Carvalho.
IMPORTAÇÃO DE ARMAS FACILITADA
De acordo com o balanço da
Polícia Federal, quase metade (47,1%) das 631.144 armas com registro ativo está
nas mãos de pessoas físicas. Entre os estados com o maior número de registros
para o cidadão comum estão São Paulo (46.828), Rio Grande do Sul (41.473),
Minas Gerais (30.923), Santa Catarina (27.387) e Paraná (26.252).
O segundo maior volume de
armas cadastradas na PF é para empresas de segurança privada: 38% do total. A
pedido dos funcionários dessas firmas, o projeto tem um capítulo específico sobre
a segurança privada, de modo a facilitar que os vigilantes consigam o porte de
arma para se defenderem, mesmo fora de serviço. Órgãos civis de segurança
pública são responsáveis por 8,1% dos registros na PF. Os cerca de 7% são
pulverizados entre órgãos públicos, lojas de armas, entre outros.
No texto que será votado na
Câmara, várias categorias profissionais conseguiram garantir a prerrogativa de
porte funcional, tais como agentes de trânsito, advogados da União e motoristas
de caminhão. Outros pontos do relatório que vêm sendo questionados é a
diminuição de 25 para 21 anos da idade mínima para comprar armas e o aumento de
3 para 5 anos da validade do porte.
GOVERNO PREPARA DECRETO
Nem mesmo a bancada da bala,
que domina a comissão, entrou em consenso a respeito de determinados pontos do
relatório, o que levou a votação a ser adiada desde o dia 10 do mês passado. Um
dos itens mais controversos é a facilitação da importação de armas. A proposta
contraria a indústria local, que financiou a campanha de alguns dos deputados
da comissão.
Na tentativa de barrar o
avanço do projeto que esvazia o Estatuto do Desarmamento, pronto para ser
votado em comissão especial da Câmara, o governo Dilma Rousseff prepara um
decreto para ampliar a validade da posse de armas, de 3 para 5 anos. Essa é uma
das propostas do texto que já foi encaminhado pelo Ministério da Justiça à Casa
Civil.
A explicação do governo para a
mudança é que o prazo atual de 3 anos para renovação da posse de arma não
coincide com a validade do atestado de manuseio técnico, que é de 5 anos. O
desencontro de datas, a partir da primeira renovação, desestimularia muitos
proprietários a manter suas armas legalizadas, empurrando-os para a
clandestinidade.
O governo prega que as
mudanças já vinham sendo discutidas há algum tempo internamente e que servirão
para fortalecer o controle de armas no país, e não para atender reivindicações
da bancada da bala. De acordo com o secretário de Assuntos Legislativos do
Ministério da Justiça, Gabriel de Carvalho Sampaio, é natural que uma
legislação passe por aperfeiçoamento:
— Já temos maturidade para
fazer ajustes necessários na lei, visando o cidadão de boa fé que tem porte ou
posse para sua segurança pessoal, além de outras situações pontuais — explica Sampaio.
O texto do decreto passou pelo
Ministério da Defesa antes de ser encaminhado à Casa Civil. O Exército tem
mostrado preocupação com a proposta que esvazia o Estatuto do Desarmamento na
Câmara, especialmente porque traz regras que facilitam a importação de armas e
munições, o que prejudicaria a indústria nacional de defesa, da qual empresas
públicas fazem parte
O Globo
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