“A sociedade potiguar precisa
ampliar o debate em torno da crise financeira pela qual passa o Governdo RN,
mais precisamente o Poder Executivo. O assunto é gravíssimo e precisa ser
encarado de forma direta e definitiva, pelos potiguares, sob pena de todos
sermos vítimas, das mais variadas maneiras, do quadro de calamidade (que o
próprio governo reconhce). A declaração, em tom de alerta, é do presidente da
Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado, Marcelo Fernandes
de Queiroz. Preocupado com os impactos sociais e econômicos do atual quadro de
crise financeira no Executivo estadual e, também, com a possibilidade do setor
produtivo e da sociedade ter que contribuir com um novo aumento de tributos
como forma de reequilibrar o caixa estadual, Marcelo Queiroz revela números
relevantes acerca do custo que os poderes autônomos têm para os cofres públicos
e deixa no ar um questionamento: “Os valores repassados aos poderes autônomos,
no atual contexto econômico e financeiro que vivemos, são justos?” Para ele, só
uma análise transparente sobre esses números e uma ampla discussão sobre o que
o RN quer para si e para seus cidadãos levará a soluções eficientes e
sustentáveis para o quadro de crise. Veja abaixo, a integra da entrevista de
Marcelo Queiroz.
Como o senhor tem visto o
momento de dificuldades econômicas pelo qual o Estado do Rio Grande do Norte
passa?
Com muita preocupação! O Rio
Grande do Norte tem hoje, segundo informações do próprio governo, um quadro que
beira a calamidade financeira. Há frustração generalizada de receitas e aumento
de despesas. Basta olhar os números. A folha de pagamento dos servidores do Executivo,
por exemplo, saiu de R$ 2,7 bilhões/ano, em 2011, para R$ 4,2 bilhões/ano em
2015, um crescimento 11,5% acima da inflação acumulada no período. Enquanto
isso, a receita com royalties do petróleo, caiu de uma média mensal de R$ 100
milhões em 2012 para pouco mais de R$ 10 milhões/mês atualmente. A arrecadação
de ICMS, até agosto, descontada a inflação, caiu quase R$ 75 milhões, e isso
depois do governo ter aumentado diversos impostos, sacrificando ainda mais o
setor produtivo e a sociedade como um todo. Tudo isso tem criado o quadro
caótico que temos visto. Somente em quatro secretarias (Sesap, Semarh, SEEC e
Seplan), as dívidas acumuladas já somam mais de R$ 160 milhões. Na Polícia
Militar, há um débito de R$ 13,6 milhões. Ora, não precisa pensar muito para
entender que este quadro vai se refletir – ou já está se refletindo -, em
insegurança, falta de assistência de saúde para a população, escolas em
situações degradantes, além de profissionais da área médica de Saúde e
professores sem as mínimas condições de trabalho. Sem recursos para bancar as
suas obrigações, o Estado – a instituição Estado – não tem como fazer mágica.
E, na sua opinião, quais os
motivos que levaram a este quadro?
É correto afirmar que uma
parte da “culpa” de estarmos vivendo esta situação é do cenário econômico
nacional, que reflete diretamente no Estado. O contexto geral da economia nos
tem levado a uma queda da atividade produtiva que, claro, redunda em queda de
arrecadação. E exatamente por causa deste cenário nos parece muito óbvio que o
caminho para reverter a crise não pode ser simplesmente voltar a aumentar
impostos. O setor produtivo e a sociedade já não suportam mais. Não temos mais
como arcar com novos impostos. Esse ônus não pode continuar sendo literalmente
imposto aos cidadãos.
E qual seria o caminho?
Cortar despesas. A questão que
sempre vem à tona é, onde? E aí é que entra um levantamento, feito pelo
Conselho Nacional de Secretários de Planejamento (Conseplan), ao qual tivemos
acesso e que mostra o tamanho real do peso dos repasses aos poderes autônomos
nas contas públicas. Acreditamos que trazê-los ao conhecimento da sociedade
pode dar uma grande contribuição para o debate em torno dessas dificuldades
financeiras pelas quais passa o Estado do RN, notadamente o Poder Executivo.
Nunca é demais reforçar que essas dificuldades impactam, de forma direta e
profunda, no dia a dia de todos os potiguares. A nosso ver, o momento é para se
colocar em debate todos os pontos que possam redundar em redução de despesas. E
não há como fazer isso sem discutir os repasses aos demais poderes. Os números
deixam isso muito claro.
E que números são estes?
Olha só, segundo dados
oficiais do Portal da Transparência do RN, no ano passado, foram repassados aos
poderes com autonomia financeira, pelo Executivo, cerca de R$ 1,45 bilhão.
Deste total, em números “arredondados”, o Tribunal de Justiça (TJ) ficou com R$
795,12 milhões; a Assembleia Legislativa com R$ 298,79 milhões; o Ministério
Público com R$ 255,83 milhões; e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) com R$
77,3 milhões. Juntos, eles ficaram com 23,38% da nossa Receita Ordinária
Líquida – que é a soma da receita própria (impostos e taxas), mais as
transferências da União relativas a impostos, descontando as transferências
obrigatórias feitas aos municípios e ao Fundeb. Vejam só, estamos dizendo aqui
que, de todo o dinheiro líquido que o Governo do RN teve em mãos no ano
passado, nada menos que 23,38% foram enviados a esses poderes autônomos.
Praticamente, de cada R$ 4 que o governo tinha disponível, R$ 1 foi repassado a
eles. Com os outros R$ 3 o governo teve que prover todas as suas demais
responsabilidades. O nosso percentuald e comprometimento, que é de 23,38%,
considerando os repasse aos poderes autônomos em relação à Receita Oridnária Líquida
do Estado, está acima da média naciona,, que é de 17,87%. Também estamos com
comprometimentos acima do de estados vizinhos nossos. No Ceará, o percentual é
de 17,13%; em Pernambuco de 17,54%; e na Paraíba de 19,83%.
O senhor está dizendo que esta
proporção de custo dos poderes no RN é injusta?
Não. O que estou dizendo é que
precisamos discutir de maneira mais profunda o tema. Esta é a proposta. Temos
que nos questionar: será que é justa? Será que é injusta? Vamos debater! Vamos
colocar todos os números, estes e outros mais, na mesa e abrir uma ampla
discussão. O que podemos dizer, por enquanto, é o que consta no relatório do
Conseplan. O RN teve, em 2015, o segundo maior comprometimento do Nordeste da
sua receita líquida para fazer frente aos repasses a outros poderes, como
Ministério Público, Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa e TCE. Neste
ranking – dos maiores comprometimentos da receita com estes repasses – o Rio
Grande do Norte ocupa a quarta posição no país! E sabe o que é pior? É que,
pelos valores orçados para este ano de 2016, o percentual de comprometimento
sobe para 24,53% (alta de dois pontos percentuais), o que nos coloca em
terceiro lugar no ranking dos estados com o maior comprometimento deste tipo no
país! Enquanto isso, na maioria dos estados, este percentual, no orçamento de
2016, caiu. Na PB ele foi reduzido de 19,8% para 19,3%. Em PE, de 17,5% para
17,4%, e no CE, de 17,1% para 15,5%.
Quando questionados sobre
esses custos, os poderes costuma alegar que precisam se manter e que o
funcionamento deles é essencial ao Estado Democrático de Direito…
Claro que sim. Mas não é isso
que se precisa discutir. O que estamos defendendo é que possamos dialogar sobre
valores, formas, estruturas, benefícios, dentre outros pontos. O que não
podemos mais é nos mantermos, toda a sociedade, impávidos diante do fato de que
temos um único caixa, para onde são recolhidos todos os recursos que o cidadão
paga, de forma direta ou indireta, e que alimenta realidades tão díspares.
Porque é o caixa único do governo que irriga todos os poderes: Executivo,
Legislativo, Judiciário, Ministério Público etc. Dentro da discussão que
estamos pregando, vamos saber se é mais importante manter esta ou aquela
estrutura, no modelo atual, de determinado poder ou ter, efetivamente
garantido, dinheiro para os deveres essenciais do Estado. Claro que é
importante manter os outros poderes. O que precisamos debater é como, de que
forma e, sobretudo, a que preço? Uma primeira pergunta que precisa ser
respondida, com muita clareza, é: todos os poderes estão recebendo e ficando
apenas e tão somente com o que precisam para se manter? Outra: em todos esses
poderes está sendo feito um esforço de otimização dos recursos públicos? É um
tema muito, mas muito amplo sobre o qual precisamos nos debruçar e lançar
luzes. E com urgência!
Ao trazer estes números à
tona, que mensagem o setor empresarial quer passar?
Eu diria que algumas. A
primeira é esta, de que precisamos urgentemente ampliar o debate em torno da
forma como os recursos públicos são gastos. E isto é perfeitamente natural em
um momento de calamidade financeira – para usar o conceito que o próprio
governo está disseminando. A segunda, é que há outros caminhos para
contornarmos estas dificuldades, que não o já conhecido e malfadado aumento de
impostos – que historicamente sempre é a primeira medida considerada pelos
governos como “tábua de salvação”. No ano passado, vimos ser aprovado um pacote
amargo de aumento da carga tributária no RN, que teve como meta elevar em R$
230 milhões por ano a arrecadação potiguar. Apenas para efeito de comparação,
somente a Assembleia Legislativa recebeu, no ano passado, R$ 298 milhões. O
Ministério Público, outros R$ 255 milhões, e o TJ recebeu R$ 795 milhões. R$
230 milhões representa 16,45% do orçamento destes três poderes. Aí a pergunta é
inevitável: o sacrifício, que acabou ficando com toda a sociedade potiguar, não
poderia ter sido, no mínimo, dividido com estes poderes?
Todo o Estado ganharia com
esta discussão mais aprofundada?
Claro que sim! Hoje, como eu
já disse, o momento é de extrema dificuldade financeira. Há dificuldades para
suprir o básico. As outras vertentes da atuação do Governo, como os
investimentos em infraestrutura e o pagamento em dia do funcionalismo, por
exemplo, que têm impacto direto na retomada da atividade produtiva e no aumento
do consumo, gerando empregos, renda e, em consequência, maior arrecadação de
tributos, acabam ficando completamente esquecidos. Infelizmente, no momento
vivenciado pelo Poder Executivo estadual, nem podemos falar nisso. E olhe que
são pontos fundamentais. Recentemente foi divulgado – por uma subsidiária da
revista The Economist, a mais importante publicação sobre economia do mundo –
um ranking de competitividade dos estados brasileiros, que mostrou uma evolução
do RN (saímos de 23º para 18º lugar). Mas ficamos atrás de nossos principais
concorrentes no Nordeste (PE, CE e PB). Isso quer dizer que temos um longo
caminho a percorrer para que possamos disputar de igual para igual grandes
investimentos que tenham condição efetiva de transformar nossa economia. E
nunca iremos dar sequer os primeiros passos neste caminho enquanto estivermos
vivendo esta crise financeira e não vislumbrarmos meios eficazes para começar a
sair dela.
Fecomércio RN
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