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Papa Francisco, durante cerimônia na Praça São Pedro (Foto: Reprodução / TV do Vaticano)
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O Papa Francisco canonizou
neste domingo (15) os 30 "mártires do Rio Grande do Norte",
considerados os primeiros mártires do Brasil, assassinados em 1645. A cerimônia
ocorreu na Praça de São Pedro do Vaticano. El também proclamou santos os três
"meninos Mártires de Tlaxcala (México)", assassinados entre 1527 e
1529.
Francisco utilizou, como é
habitual, a fórmula em latim para proclamar a santidade e pedir que fossem
inscritos nos livros dos santos da Igreja.
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Quadro mostra massacre em
Cunhaú, no Rio Grande do Norte. Os mortos identificados serão declarados santos
neste domingo | Imagem pintada por Padre Eladio (Foto: BBC/Divulgação)
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Durante a cerimônia também
aconteceram as canonizações do sacerdote espanhol Faustino Míguez (1831-1925),
fundador do Instituto Calasancio Filhas da Divina Pastora e do capuchinho
italiano, Angelo da Acri.
Uma missa de domingo em uma
capela, uma celebração em campo aberto às margens de um rio e 150 pessoas
brutalmente assassinadas. Dois massacres registrados no Rio Grande do Norte e
apontados como símbolos da intolerância religiosa de holandeses que dominavam o
Nordeste brasileiro em 1645 renderam ao país, 372 anos depois, 30 novos santos
- "os primeiros santos mártires do Brasil".
Os chamados "mártires de
Cunhaú e Uruaçú" - nomes de duas localidades da época que hoje
correspondem aos muncípios potiguares de Canguaretama e São Gonçalo do Amarante
- foram beatificados no ano 2000 pelo Papa João Paulo II e foram canonizados
neste domingo pelo Papa Francisco.
Os 30 novos santos são os
únicos mortos identificados em dois massacres que deixaram um saldo de
aproximadamente 150 vítimas. Por esse motivo, somente eles foram reconhecidos
na cerimônia.
O caso é considerado
emblemático, entre outros motivos, porque os massacrados teriam "dado a
vida, derramado o sangue, na vivência de sua fé", segundo a Igreja.
Em Cunhaú, 70 teriam sido
assassinados em 16 de julho de 1645. O episódio é apontado como retaliação
holandesa aos que seguiam a fé católica e se recusavam a migrar para o
movimento religioso protestante que difundiam, o calvinismo.
O livro "Beato Mateus
Moreira e seus companheiros mártires", escrito pelo Monsenhor Francisco de
Assis Pereira a partir de pesquisas históricas e dados que embasaram a
beatificação, afirma que os holandeses contaram com a ajuda de indígenas para
invadir uma capela da região, fechar as portas e matar quem estivesse dentro,
em uma manhã de domingo.
Quase três meses depois desse
episódio, em 3 de outubro, outras 80 pessoas também viraram alvos em outro
cenário: às margens do rio Uruaçú, foram despidas e assassinadas por não terem
se convertido ao protestantismo. Nem crianças foram poupadas do ataque. Uma
delas, com dois meses de vida, foi uma das vítimas, junto com uma irmã e o pai.
Também parte desse segundo
grupo, o camponês Mateus Moreira acabou virando símbolo do martírio porque, no
momento de sua morte, teria bradado: "Louvado seja o Santíssimo
Sacramento". A louvação seria uma prova incontestável de sua fé, na visão
católica. Ele foi morto ao ter o coração arrancado pelas costas.
A presença da igreja católica
no Nordeste já era considerada "marcante" nessa época, como descreve
o Monsenhor Pereira, postulador da causa da beatificação dos mártires, no
livro. "Havia padres seculares (padres pertencentes a dioceses), numerosos
conventos de franciscanos, carmelitas, jesuítas e beneditinos. Eram mais de 40
mil católicos", escreve ele.
Os holandeses aportaram na
região em 1630. Eles chegaram nesse período a Pernambuco e assumiram o comando
político e militar da área - estendendo o domínio posteriormente a outras
capitanias, inclusive à do Rio Grande, como era chamado o Rio Grande do Norte.
Os colonizadores teriam
perseguido e assassinado adeptos da religião católica que não aceitaram virar
calvinistas. Na mesma época em que, por meio da Inquisição, a Igreja Católica
ainda perseguia, julgava e punia acusados de heresia.
Adultos, jovens e crianças:
quem são os mártires canonizados
A lista de novos santos inclui
um total de 25 homens, entre eles dois padres, e cinco mulheres. Eram 16
adultos, 12 jovens e duas crianças - a mais nova, o bebê de dois meses de
idade.
"A identificação dos que
serão canonizados não se dá tanto pelos nomes, mas também por identificação de
parentesco e de amizade (das vítimas)", ressalta o padre Julio Cesar Souza
Cavalcanti, responsável por encaminhar a canonização dos mártires na
Arquidiocese de Natal.
A professora aposentada Sônia
Nogueira, de 60 anos, estará em Natal, a mais de sete mil quilômetros de
distância da cerimônia, mas em vigília e "com o coração cheio de gratidão
pelos mártires".
Ela diz que, por intermédio
deles, pediu "a graça da cura e da libertação" para o marido, José
Robério, que em 2002 começou a enfrentar as consequências de um câncer no
cérebro. Fortes dores de cabeça levaram o militar aposentado, hoje com 68 anos,
ao diagnóstico.
O caminho trilhado a partir
desse ponto foi marcado por "apreensão", mas também pelo que Sônia
resume com letras maiúsculas em um texto: "MILAGRE DA SOBREVIDA!"
A frase foi escrita por ela em
um relatório que enviou à Igreja Católica no Rio Grande do Norte, em 2016, para
contar a história do marido em meio a exames, tratamentos de saúde, cirurgias e
momentos de "fé".
Rezar foi a estratégia
fundamental, segundo Nogueira, para que Robério resistisse à doença, que
raramente possibilita sobrevida de mais de três anos aos pacientes após
diagnóstico. No laudo médico que a professora apresentou para embasar
cientificamente o que considera um milagre, o neurocirurgião que acompanhou o
caso de Robério o coloca no rol de "exceções da medicina", porque ele
sobreviveu.
"Já se vão 15 anos e 5
meses desde que soubemos do tumor", diz Sônia, em entrevista à BBC Brasil.
Ela não tem dúvidas: "Foi um milagre. A medicina foi só um
complemento".
Comprovação de milagres não
foi exigida no processo
Robério e sua mulher estão
entre os mais de cinco mil fiéis que já relataram à Arquidiocese de Natal
"graças alcançadas" por meio dos "novos santos" do Brasil.
Não foram necessários, porém,
milagres para fundamentar a canonização.
"O Papa Francisco, quando
decidiu pela canonização com a dispensa do milagre, colocou como um ponto
básico (para a aprovação) a antiguidade do martírio e a perpetuidade da devoção
do povo aos mártires", explica o padre Julio.
Por meio do chamado processo
de equipolência, o papa reconhece a santidade considerando três requisitos: a
prova da constância e da antiguidade do culto aos candidatos a santos, o
atestado histórico incontestável de sua fé católica e virtudes e a amplitude de
sua devoção.
O mesmo processo, em que
milagres foram dispensados, foi adotado para a canonização de São José de
Anchieta, outro santo do Brasil.
Para Nogueira e Robério, no
Rio Grande do Norte, o milagre que os mártires teriam realizado é, porém,
inquestionável. "Robério foi bem aventurado no processo, por intercessão
deles", justifica a aposentada. "Como um paciente pode chegar a
(sobreviver) 15 anos tomando uma medicação que segura outros por no máximo
três?".
Com dificuldades para falar e
andar sem apoio, após a segunda e última cirurgia que fez, o marido faz coro:
"Estava muito doente e os mártires me levantaram".
"Quem não vai ficar bom
tendo um santo dentro de casa?", ele questiona, referindo- se ao fato de
os novos santos terem origem no estado em que mora.
A canonização deste domingo
eleva para 36 a quantidade de santos considerados nacionais. Até agora, só um
deles, Santo Antônio de Sant'Ana Galvão, mais conhecido como Frei Galvão -
santificado em 11 de maio de 2007 - era, porém, brasileiro de nascimento.
Os outros cinco já
oficializados, São Roque Gonzales, Santo Afonso Rodrigues, São João de
Castilho, Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus e São José de Anchieta,
são estrangeiros, mas desenvolveram missões no país. Eles são reconhecidos por
milagres.
Temer
O presidente Michel Temer
divulgou uma nota por ocasião da canonização. "A Igreja Católica decidiu
canonizar 30 mártires que, no Brasil do século XVII, deram a vida em nome da
fé, em nome da devoção. São heróis que já são justamente honrados em nosso
querido Rio Grande do Norte. São homens e mulheres que, beatificados por São
João Paulo II, tornam-se, agora, os primeiros Santos mártires do Brasil",
disse.
G1
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