Bancado exclusivamente pelo
contribuinte – ou seja, a custo zero para os senadores, ex-senadores e seus
dependentes – o plano de saúde do Senado paga despesas que incluem implantação
de próteses dentárias com ouro e até sessões de fonoaudiologia para melhorar a
oratória e driblar a timidez. Alguns senadores chegam a gastar até R$ 70 mil
por tratamento dentário.
Documentos obtidos pelo Estado
mostram que, nos últimos cinco anos, a Casa autorizou tratamentos milionários,
principalmente odontológicos. Tudo sem fazer perícia física dos pacientes nem definir
limites de cobertura. Os gastos com os dentes dos senadores e outros
tratamentos médicos, como sessões de psicoterapia e fonoaudiologia, atingiram
média de R$ 6,2 milhões anuais entre 2008 e 2012 – 62% desses valores dizem
respeito unicamente ao reembolso de notas fiscais e recibos. A reportagem
obteve as despesas efetuadas em 2013, que ainda não foram consolidadas pelo
Senado. A estimativa é que a média de gasto tenha se mantido inalterada.
O plano de saúde do Senado é
vitalício. Ele banca despesas de senadores, ex-senadores e dependentes como
filhos, enteados e cônjuges. Para usufruí-lo, o parlamentar não precisa fazer
nenhuma contribuição – basta que tenha exercido o cargo por 180 dias
ininterruptos. Após a morte do titular, o cônjuge continua usando a
carteirinha. Como não há uma lista detalhada de procedimentos cobertos, os
beneficiários se sentem à vontade para incluir em seus gastos todo tipo de
serviço especializado.
O plano do Senado estabelece
um limite anual de R$ 25,9 mil para gastos odontológicos. Os documentos obtidos
pelo Estado apontam, no entanto, que a Casa tem pago valores que extrapolam de
longe esses limites. O caminho para ignorar as normas é invadir a cota não
utilizada de outros anos.
Uma das despesas mais comuns,
nas notas apresentadas, é a de materiais sofisticados usados em próteses,
dificilmente cobertos pelos planos de saúde do mercado – e que dão o melhor
resultado estético.
Para o presidente nacional do
DEM, José Agripino Maia (RN), a Casa creditou R$ 51 mil em 2009, referentes a
22 coroas de porcelana aluminizada, produto mais caro e que confere aparência
melhor. “Essa é uma opção mais estética, porque troca uma infraestrutura
metálica pela de porcelana aluminizada”, diz o cirurgião-dentista Rogério Adib
Kairalla, do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo.
O senador potiguar afirma que
o tratamento foi “estrutural” e custou mais que o reembolsado pelo Senado, o
que o obrigou a pagar a diferença. “Foi mais que implante. Tive de recompor
toda a base dos dentes, por causa da barbeiragem de um dentista. Ia jantar e
caía”, diz Agripino.
Já o ex-senador Adelmir
Santana (PSB-DF) pôs próteses de porcelana, com infraestrutura em zircônia, o
que custou ao contribuinte R$ 22,5 mil. “Na parte de prótese, é a técnica mais
requintada. Acaba custando mais”, afirma Kairalla.
Reabilitação. Senador licenciado,
o ministro da Pesca, Marcelo Crivella (PRB-RJ), apresentou em 2010 notas que
somam R$ 42 mil. No ano anterior, o Senado ressarciu despesas de R$ 23 mil para
tratamento dentário com um toque de requinte: a reabilitação da boca na parte
direita superior foi feita com coroas de cerâmica e pinos em ouro odontológico.
No mercado, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, esse ouro custa mais que
o metal na sua versão convencional, nas joalherias, e dificilmente é coberto
pelos planos odontológicos.
Pedro Simon (PMDB-RS)
conseguiu ressarcimento de implantes dentários que totalizam R$ 62,7 mil em
2012. “Fiz para aquele ano e com pedaço (da cota) do ano seguinte, em duas
parcelas”, explica o senador gaúcho. “Digo mais: foi feito a esse preço porque
chorei, chorei e foi um preço bem menor. O valor inicial era coisa de R$ 80 mil
a R$ 85 mil.”
Em ação civil pública em
tramitação na Justiça Federal, o Ministério Público, ao analisar os gastos
efetuados até 2010, considerou que os “desembolsos envolvem valores
exorbitantes, que fogem a qualquer padrão”.
Timidez. A generosidade do
plano torna-se evidente no caso do senador Wilder Morais (DEM-GO), suplente que
assumiu a vaga de Demóstenes Torres (sem partido-GO) quando este foi cassado.
Parlamentar de primeira viagem e dono de uma fortuna de R$ 14,4 milhões –
segundo declarou ao Tribunal Superior Eleitoral -, ele conseguiu em 2013 o
retorno de R$ 1 mil referente a sessões de fonoaudiologia. O dinheiro pagou
parte de tratamento de “desenvolvimento de habilidades de competência
comunicativa” que Morais fez porque não tinha traquejo na tribuna. “Ele é
tímido”, justificou sua assessoria.
A ex-senadora Ana Júlia Carepa
(PT) aproveitou o plano, entre 2007 e 2011, e fez vários implantes. “Eu poderia
pôr uma dentadura, mas acho que ficaria complicado, né?” Além dos implantes, a
ex-senadora diz ter feito também clareamento nos dentes que não foram mexidos.
“É até consequência. Como vai ter que refazer, serve para igualar”, justificou.
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