Casa lotérica no RJ - Fabiano
Rocha / Agência O Globo
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Em busca de lucro e melhores
resultados, a Caixa Econômica Federal vai abrir, em breve, a possibilidade para
que todos os apostadores de suas nove loterias (à exceção da loteria federal)
possam fazer jogos pela internet. Atualmente, isso só é possível na Mega Sena e
para quem é cliente da Caixa. Inicialmente, a aposta terá de ser paga com
cartão de crédito, e o apostador terá de desembolsar um mínimo de R$ 20 a cada
“carrinho de compra”. Mas está nos planos do banco permitir o pagamento com
cartão de débito e, futuramente, desenvolver um aplicativo para quem quiser tentar
a sorte pelo celular.
O objetivo da Caixa, segundo
fontes envolvidas nas discussões, é atrair um público que hoje não frequenta as
lotéricas: jovens e pessoas de alta renda. Esse é um dos principais argumentos
para enfrentar a posição contrária dos lotéricos, que temem queda de movimento
nas lojas físicas.
A medida também reforçará as
receitas com tarifas da Caixa, que hoje fica com cerca de 10% dos bilhetes
vendidos. Em 2016, foram arrecadados com as loterias R$ 12,9 bilhões. Para este
ano, a previsão é de R$ 14 bilhões. Segundo projeções, no primeiro ano de
apostas pela internet, o banco arrecadará R$ 500 milhões e, num prazo de cinco
anos, entre 4% e 5% da receita total.
Ainda visando a ganhos com
tarifas, a Caixa busca um sócio estratégico para participar da licitação da
Lotex (Raspadinha), que será concedida ao setor privado. A licitação está
prevista para dezembro.
Segundo integrantes do
governo, a possibilidade de fazer jogos pela internet é parte uma estratégia
maior da Caixa de conquistar clientes no meio virtual, numa época em que os
correntistas frequentam cada vez menos as agências físicas. Para isso, o banco
está investindo em uma nova plataforma digital — dentro do escopo de medidas
para melhorar a eficiência e reduzir custos, com vistas à abertura de capital.
TOTAL DE APOSTAS PRECISARÁ SER
DE R$ 20
Para vencer a resistência dos
concessionários de loterias, a Caixa pretende repassar à rede um percentual da
receita obtida com as apostas via internet, desde que os lotéricos deem
contrapartida — como, por exemplo, divulgar nas agências a possibilidade de
realizar apostas on-line. Os detalhes estão sendo fechados com o Tribunal de
Contas da União (TCU), para evitar problemas futuros.
Em reação às novidades, os
concessionários de loterias começaram um movimento, com apoio do Congresso, com
o objetivo chamar a atenção para o número de unidades que fecharam por causa da
crise econômica. Eles também reclamam que a remuneração pelos serviços
prestados é baixa. A Caixa, por sua vez, argumenta que essa queixa é natural e
faz parte do processo de negociação.
Segundo técnicos a par das
discussões, o temor dos concessionários em perder o movimento não faz sentido,
porque o público-alvo não frequenta as lotéricas. Além disso, com mais apostas,
o valor do prêmio vai aumentar, o que vai atrair mais gente para as lotéricas.
— Isso aconteceu em outros
países, como França, Bélgica e Portugal, que têm um modelo semelhante ao nosso
— explicou um técnico, acrescentando que a iniciativa da Caixa em oferecer
todos os jogos pela internet está em linha com o que acontece no mundo.
Outro argumento é que o
apostador da internet terá de jogar pelo menos R$ 20. O tíquete médio nas
lotéricas está em entre R$ 11 e R$ 12.
Paralelamente às mudanças na
oferta de jogos que a Caixa pretende fazer, os representantes das lotéricas
afirmam que, do ano passado para cá, 20% dos estabelecimentos do país fecharam
suas portas. Segundo os sindicatos e empresas da área, são dois problemas
principais. Como o setor não tem regulamentação, as lotéricas têm de seguir os
contratos com a Caixa, cujas taxas, repassadas pelo banco nos serviços
prestados, não preveem reajuste pela inflação. Outro problema é que, com o
aumento do valor do seguro cobrado pelas transportadoras, a Caixa não elevou, no
mesmo patamar, o chamado “adicional de segurança”. No Rio, o repasse da Caixa
só cobre 60% do custo do transporte do dinheiro, contra cerca de 70% na média
do país.
— A situação está bem
complicada. Já vi de tudo nessa crise, mas lotéricas fecharem as portas é a
primeira vez — disse o presidente do Sindicato das Lotéricas do DF, Jair
Magalhães, destacando que boa parte das lojas que pararam de funcionar estava
em municípios que só contam com lotéricas para efetuar serviços bancários.
Segundo a Federação Brasileira
das Empresas Lotéricas, só no primeiro semestre deste ano foram fechadas 104
agências no país. Em 2016, foram 74. Ou seja, o número de casas fechadas em 2017
deve dobrar em relação ao ano passado. No Rio de Janeiro, são 1.200 lotéricas.
Em dois anos, cem fecharam.
Jodismar Amaro, presidente da
federação e do sindicato de lotéricas de São Paulo (Sincoesp), diz que a
situação das empresas é grave, pois o contrato com a Caixa não prevê cláusulas
de reajuste contratual:
— Com isso, as lotéricas têm
perdas enormes. E trabalhamos com valores defasados. Além disso, grande parte
das loterias Brasil afora tem dívidas com a própria Caixa. É uma situação
complicada.
Metade das 13 mil lotéricas no
Brasil tem empréstimos com a Caixa, em um volume que soma cerca de R$ 600
milhões, segundo a federação do setor.
Marcelo Gomes, vice-presidente
do Sincoerj, que reúne as lotéricas do Rio, diz que, nos últimos dois anos,
houve mais de 600 demissões no estado:
— As tarifas defasadas da
Caixa dão prejuízo. Hoje, recebemos, em média, 0,54%. Para cobrir as despesas,
teria de ser 0,83%. Para termos lucro, teria de ser 1,06%, conforme o projeto
de lei que está para ser votado em Brasília. Estamos usando o dinheiro da
prestação de contas para sobreviver.
A crise nas lotéricas foi tema
de pronunciamento realizado, há cerca de um mês, pelo deputado Júlio Lopes
(PP-RJ). De acordo com ele ele, a situação é de “penúria absoluta”. No caso das
tarifas, Lopes ilustrou:
— Em um boleto, se a tarifa
bancária é de R$ 4,00, a lotérica fica com R$ 0,40 — afirmou.
Ele disse, ainda, que havia um
compromisso da Caixa de apresentar uma resposta, até 31 de agosto, em relação à
elevação de seguro de transportes e que as loterias foram oneradas em mais de
50%. Ele afirmou que os estabelecimentos estão há dois anos sem qualquer
reajuste de suas tarifas nas cobranças, o que torna a situação deles
insustentável.
O deputado citou a
capilaridade do sistema bancário do país, que depende tanto das lotéricas como
dos Correios, que vêm fechando agências, principalmente em municípios pequenos:
— Ora, se os postos do Correio
não funcionam, e os lotéricos estão em petição de miséria, que capilaridade
terá o nosso sistema bancário, quando os grandes bancos não querem mais contas
de pequenos poupadores?
Procurada, a Caixa informou
que mantém diálogo permanente com os lotéricos e analisa a pauta de
reivindicações, “com o intuito de atender e ou buscar soluções alternativas que
favoreçam a sustentabilidade da rede lotérica”. A instituição destacou que os
reajustes são periódicos: em junho/julho de 2016, as tarifas foram elevadas em
13,17%, na média, e, em agosto deste ano, em 8,5%. Além disso, afirmou o banco,
o adicional de segurança para transporte de valores foi reajustado em 10,43% em
2016 e em 40% este ano.
A Caixa também informou que há
13 mil unidades lotéricas no país, sendo que em 2.569 municípios elas são o
único canal bancário. Procurada para falar sobre a questão do reajuste das
tarifas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que não iria se
manifestar.
O Globo
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