Os delatores do esquema de
corrupção na Petrobras e parte das empresas envolvidas já devolveram, através
de acordos, o equivalente a um terço dos R$ 7,2 bilhões que comprovadamente
foram desviados para pagamentos de propina a políticos e dirigentes da estatal.
Em 33 delações premiadas e três acordos de leniência, foram devolvidos R$ 2,4
bilhões. O levantamento, feito pelo GLOBO nas 31 ações que correm na Justiça,
mostra que o valor obtido por meio de acordos de delação e de leniência, e
ainda a título de multa, daria para pagar 31,2 milhões de benefícios do Bolsa
Família (pelo valor mais baixo pago aos beneficiários).
Juntas, as três empresas que
já assinaram acordos de leniência — Setal, Camargo Corrêa e a holandesa SBM —
devolveram R$ 1,64 bilhão, mais da metade do valor recuperado pela Justiça.
Entre os delatores, quem mais devolveu dinheiro até agora foi o ex-gerente da
estatal Pedro Barusco, que sozinho entregou US$ 97 milhões, o que corresponde a
R$ 381,1 milhões pela cotação do dólar da última quinta-feira. A segunda maior
quantia foi devolvida pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo
Roberto Costa: o equivalente a R$ 101,3 milhões.
Esse dinheiro devolvido fica,
inicialmente, à disposição da Justiça. O juiz Sérgio Moro tem determinado que
todo o dinheiro confiscado retorne aos cofres dos órgãos lesados. No caso da
Petrobras, já foram feitas duas devoluções, que somam R$ 296 milhões. Esses
valores estavam em contas de Costa e Barusco no exterior.
— O Ministério Público abriu
mão de algumas condenações em troca de muito mais — diz o procurador da
República Deltan Dallagnol, um dos porta-vozes da força-tarefa da Operação
Lava-Jato e defensor das delações.
Na semana passada, em
entrevista ao “Programa do Jô”, Dallagnol disse que o caso Lava-Jato quebrou
todos os recordes de devolução de recursos para o país:
— Para se ter ideia, antes do
caso Lava-Jato, tudo que foi recuperado no país e entrou nos cofres públicos,
em todos os outros casos (de corrupção) juntos, somam menos de R$ 45 milhões.
R$ 1,1 BILHÃO AINDA ESTÁ BLOQUEADO
Dados da Secretaria de
Cooperação Internacional do Ministério Público mostram que a Lava-Jato bloqueou
no exterior, até 23 de outubro, US$ 433 milhões (R$ 1,7 bilhão) em dinheiro
supostamente desviado da Petrobras ou de outros órgãos públicos. Até o momento,
US$ 129 milhões (R$ 506,8 milhões) foram repatriados. O restante, o equivalente
a R$ 1,1 bilhão segue bloqueado em bancos de Suíça, Luxemburgo e Mônaco, à
espera de decisão judicial.
Como Barusco e Costa fizeram
delação, o dinheiro voltou mais rapidamente. No caso do ex-diretor de Serviços
da Petrobras Renato Duque, que não fez acordo, foram bloqueados o equivalente a
R$ 90 milhões. Desse valor, voltou ao Brasil apenas a metade. O restante
permanece bloqueado lá fora, à espera de novas investigações e decisões
judiciais.
Os números podem aumentar.
Pelo menos dez réus envolvidos no esquema, além de construtoras, ainda negociam
algum tipo de acordo com o Ministério Público Federal (MPF). Além disso, pelo
menos 30 empresas flagradas no esquema de corrupção da Petrobras negociam com a
Controladoria Geral da União (CGU) e o MPF um acordo de leniência — negociação
que uma empresa faz com órgãos de controle admitindo práticas ilícitas em troca
de continuar prestando serviços ao poder público. O acordo envolve o
compromisso de adotar sistema de compliance e pagar indenizações pelos danos
causados.
Estimativas da Lava-Jato
apontam que o rombo nos cofres públicos pode ultrapassar os R$ 15 bilhões. Mais
de 700 casos seguem em investigação, com procedimentos instaurados. Metade das
16 empreiteiras acusadas de participar do cartel na Petrobras também segue na
condição de investigada, sem denúncia formalizada à Justiça.
Além da Petrobras, a Lava-Jato
flagrou, por exemplo, pagamento de propina em contratos de publicidade da Caixa
Econômica Federal e do Ministério da Saúde, e em contratos da Eletronuclear
para a construção de Angra 3. Também foi identificada propina paga num acordo
firmado pelo Ministério do Planejamento, que envolveu a cessão de uso do banco
de dados cadastrais de mais de 7,5 milhões de servidores federais.
UM EM CADA QUATRO RÉUS VIRA
DELATOR
Em um ano e sete meses de
investigação, um em cada quatro réus virou delator na Lava-Jato. No total, 120
pessoas foram denunciadas e 41, condenadas. Demonizado por alguns juristas, o
instrumento da delação premiada instiga o debate entre defensores de réus da
operação. Técio Lins e Silva, advogado da Odebrecht, afirma que a prisão
preventiva se tornou uma espécie de tortura, um “pau de arara pós-moderno” para
convencer investigados a colaborar com as investigações.
— O acusado não pode abrir mão
do seu direito de mentir. Isso não é uma conquista da legislação brasileira.
Isso é uma conquista da sociedade ocidental, fruto da Revolução Francesa — afirma
Lins e Silva. — As bases legais violam causa pétreas da Constituição. O acusado
não pode abrir mão do direito de defesa. O acusado não pode ser obrigado, para
ter um benefício, a abrir mão do direito ao silêncio.
O criminalista Fábio Tofic
Simantob diz que há uma “banalização do instituto da delação”:
— É quase como pegar
empréstimo a juros altos. As vantagens imediatas parecem tão grandes que você
não sabe exatamente com o que está se comprometendo no futuro.
O questionamento às delações
virou moeda política. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
denunciado na Lava-Jato, chegou a afirmar que o vazamento de informações seria
manobra do governo para desestabilizá-lo. No último dia 23, em Salvador, o ex-presidente
Lula disse que o Brasil vive “quase um Estado de exceção” com as delações.
Mesmo os críticos da delação,
no entanto, dizem que ela veio para ficar. O criminalista Alberto Toron,
primeiro a derrubar no Supremo Tribunal Federal a prisão preventiva de um
empreiteiro (Ricardo Pessoa, da UTC), ressaltou que os acordos não representam
a impunidade dos delatores. Lembrou que a maioria deles cumpre regime
restritivo de liberdade, com tornozeleira eletrônica, e pagou altas multas.
Toron compara as críticas às
delações da Lava-Jato com o descontentamento gerado na Colômbia pelo acordo
feito entre autoridades e as Forças Armadas Revolucionárias (Farcs):
— A Lava-Jato é um pouco
assim. Em troca de melhorias na administração pública, você terá um novo
patamar de punição que não é na cadeia. A gente vai ter que conviver com isso
daqui para frente.
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Reflita, analise e comente