Quando o Ministério Público do
Acre (MP-AC) ajuizou a ação na Justiça e conseguiu bloquear os pagamentos e
novas adesões da Telexfree, em junho de 2013, a promotora Alessandra Garcia
Marques, titular da Promotoria de Defesa do Consumidor do órgão, estava em
período de férias. Agora, passados sete meses do processo a promotora se tornou
uma das figuras centrais do processo.
Prestes a completar 17 anos à
frente da Promotoria de Defesa do Consumidor, Alessandra falou com
exclusividade ao portal local sobre o processo contra a empresa, suspeita de
operar um esquema de pirâmide financeira, que ela espera que seja concluído até
o meio do ano. Confira os melhores momentos do ping-pong:
O que levou o Ministério
Público a suspeitar que a Telexfree fosse uma pirâmide financeira?
Alessandra Marques – O
marketing multinível no Brasil, em que pese não existir legislação específica
sobre ele, não é ilícito. O que é ilícito é a formação de pirâmide e o que
acontece no modelo de negócio da Telexfree é que a venda do Voip [Voice over
Internet Protocol, sistema de telefonia pela internet vendido pela Telexfree],
compõe apenas uma forma de remuneração dentre as oito ou nove formas que a
empresa tem. Visualizando o negócio, o que você percebe é que ele se sustenta
basicamente com o ingresso de novas pessoas nas redes e não com a venda do
Voip. Até porque todo mundo que eu ouvi, que investiu na Telexfree, dizia que
nem usava Voip, uns nem sabiam para que serve.
E como funciona o modelo da
Telexfree?
Marques – A Telexfree tem um
modelo de negócio que foca no convencimento pessoal de que você está entrando
em um negócio que é o passaporte para o ‘Paraíso’, então você tem uma legião de
pessoas absolutamente crédulas no modelo de negócio da empresa e naquilo que os
seus ‘cabeças’ dizem. Ela tem esse componente de agressividade, de animosidade,
porque você tem um modelo empresarial que é focado nisso. Que eu tenho que
mostrar pra você que consegui comprar meu carro de R$ 300 mil, que é Deus que
me pôs na terra. É todo um modelo de marketing extremamente agressivo que
convence dois tipos de gente.
Convence um que tem
conhecimento do negócio e quer ganhar como os outros já ganharam e convence
pessoas que não têm nenhum conhecimento dos riscos que correm, mas que querem
melhorar de vida e melhorar de vida não é defeito, todo mundo quer melhorar de
vida.
Por quê a intervenção?
Marques – A ideia da
intervenção do Ministério Público, antes que o negócio ruísse, era impedir
prejuízos depois. Porque o que nós temos hoje no Brasil? Aqui na promotoria
tivemos operadoras de plano de saúde, que fecharam e deixaram os consumidores a
ver navios. Tem mandado de prisão há oito anos aqui e você não pega o
empresário que foi embora. É muito mais difícil você buscar a reparação do que
as pessoas investiram, depois que o negócio rui, do que no começo. E a
indignação das pessoas é porque o negócio ainda não havia ruído, ele ainda
estava no auge, no boom, as pessoas ainda estavam investindo, mas o que elas
não conseguem visualizar é que ele tinha dada de validade. A gente só não sabia
o dia, mas ele tem prazo de validade.
Hoje o processo está como?
Marques – Está na fase de
produção de provas. Vai ser feita a perícia e depois disso é o julgamento final
do processo. Já está no fim, quer dizer é uma ação que não tem um ano e já está
no meio pro fim. E que nem no recesso de Natal foi suspensa a tramitação, eu
atuei nela, a juíza atuou. O que tem atrasado um pouco é o comportamento da
empresa. Que recorre sem fundamento, que propõe incidentes no processo, isso é
o que está atrapalhando. Espero que até o meio do ano tenha a sentença. Se
depender do Ministério Público tem sentença. Até porque quem está sendo
processado tem o direito que isso termine. Então, da parte do MP, não há nada
que atrase. Para você ter ideia do modo como temos no portado nesse processo,
por exemplo, ele está com vista para o MP, tenho sete dias ainda para que ele
caía no meu sistema. Sete dias e depois disso, tenho mais cinco para o meu
prazo de me manifestar. É algo que põe em questão a sobrevivência de inúmeras
famílias.
Você esperam conseguir
recuperar os valores?
Marques – Sim. Esperamos que
todos sejam ressarcidos integralmente naquilo que eles investiram.
Hoje como avalia toda essa
situação, passados sete meses?
Marques – Que o estado
brasileiro não está preparado para poder conter determinados negócios, que põem
em risco a economia de um país. Porque já tinha remessa de dinheiro para o
exterior, tanto que tem investigação na Receita Federal, movimentação muito
rápida de dinheiro e as autoridades que fiscalizam e que têm conhecimento disso
demoram muito no Brasil para tomar providência. E às vezes quando você vai
tomar já é tarde demais, como aconteceu em outros modelos de negócios no Brasil
que deixaram pessoas a ver navios e que é impossível a reparação, porque todo
mundo foge, o dinheiro desaparece.
O que eu acho que falta no
Brasil efetivamente é deixarmos de discutir as coisas, em termos de
aproveitamento político partidário dos assuntos, e discutirmos as coisas se
elas estão certas ou não. Se elas estão de acordo com a Constituição ou não. Se
elas vão trazer melhoria de vida para as pessoas, ou se trazem algum risco
evidentemente maior do que aquele que as pessoas possam suportar. Então, acho
que fica bastante claro, que nós não temos na área criminal uma legislação
penal capaz de coibir eficientemente isso, porque a pena é muito pequena e o
prejuízo é enorme e também ao mesmo tempo fica claro que o Brasil é um país em
desenvolvimento, mas um país onde a falta de educação e a falta de emprego faz
com que pessoas depositem esperanças em coisas que elas não deveriam depositar.
Depois que a Telexfree foi
bloqueada estão surgindo outras empresas com base fora do país, o Ministério
Público tem como conter isso?
Marques – Não, ontem eu recebi
consumidores aqui que foram lesados por uma empresa do mesmo jeito, mesmo
modelo, cujo o site é na China. Eram pessoas extremamente sem condições de
entender como se liga e desliga um computador e que estão na penúria. Falei com
eles ‘vocês precisam compreender que no Brasil e em nível internacional e
interno, não temos uma legislação sobre o ciberespaço’. Sobre a
responsabilidade civil, por exemplo, a discussão que está hoje no tribunal é,
um site estrangeiro publica uma foto sua, você reputa que aquela foto fere o
teu direito à privacidade. Você vai ter que ir lá no exterior processar ou você
pode processar no Brasil? Um ou outro julgado diz que pode processar no Brasil,
os outros nem tocam no assunto e dizem que não têm, que a justiça brasileira
não tem competência. O risco que você corre com um negócio desse é muito maior
do que em uma empresa do Brasil. Quem não tem medo de perder tudo que investe,
investe. Quem não tem conhecimento da natureza do risco, pode até investir, mas
quem tem juízo, bom senso, não investe.
E qual o alerta que a senhora
daria para as pessoas hoje? E se pudesse mandar um recado para os divulgadores,
o que diria?
Marques – Q Não tem outro
mecanismo. A não ser que você ganhe na Loteria Esportiva , porque é a loteria é
regulado pela legislação brasileira. Não conheço outra receita lícita de renda
que não seja trabalho. E se você disser: Não, tem coisas que têm risco, como a
Bolsa de Valores é arriscada. Mas ela tem regulamentação. Ela tem órgão de
fiscalização. Então, a receita certa para quem quer melhorar sua condição de
vida, é o trabalho.
Com informações G1 AC
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